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No ano de 2013 recebemos o convite para participar do “V Debate de Psicologia Hospitalar – Realidades e Desafios da Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar”, realizado pelo curso de Psicologia da Faesa, Faculdades Integradas São Pedro, no dia 05 de Junho.

Na época, recebemos o convite por compormos a equipe de psicologia do Hospital Santa Rita de Cássia, e construímos uma fala a respeito do tema com título homônimo ao Debate. Também participaram do evento algumas das psicólogas dos Hospitais Evangélico de Vila Velha (HEVV), Meridional de Cariacica e Metropolitano da Serra. Foi um ótimo Debate!

Apresentamos a seguir a fala construída para o evento. Que sirva de reflexão às interessadas e aos interessados no assunto.
Abraço!

Realidades e Desafios da Atuação do Psicólogo no Hospital

Bom dia a todos. Sinto-me agradecido pelo convite realizado pela Faesa, corporificado nas pessoas dos organizadores do evento, que fizeram contato comigo para falar sobre Realidades e Desafios da Atuação do Psicólogo no Hospital, tema dessa mesa. Antes de propriamente entrar no assunto, gostaria de falar de alguns aspectos de minha formação e que, acredito, tem forte influencia no discurso que trago hoje.

Durante minha formação tive contato prolongado com três campos da psicologia, a psicologia social (com pesquisas), a psicologia da saúde (com a participação e a construção de estágios e eventos) e a psicanálise (com grupos de estudos, análise pessoal e na assistência). Inegavelmente, é a partir de como tenho trabalhado questões relativas aos três campos que produzo essa fala mesmo sendo um psicólogo inserido em contexto hospitalar. Somando-se a esse aspecto, remeto-me aqui ao diálogo que realizo com colegas e amigos que trabalham em outras instituições hospitalares e em instituições de outros setores que não apenas o da saúde. Finalmente, acredito que seja sabido por muitos aqui que a constituição do campo da psicologia hospitalar no Brasil é particularmente diferente da constituição do campo em outros países como, p. ex., os europeus, e isso provoca implicações diferentes no trabalho.

Minha fala, então, se ramifica em cinco questões: 1) Visão geral do hospital; 2) Condições e Organização do Trabalho; 3) Relações com profissionais de áreas afins; 4) Relações com profissionais da psicologia; 5) Relações com os pacientes. Evidentemente, nenhuma dessas questões caminha solitária, mas a divisão dessa maneira pode permitir alinhavar determinados pontos inicialmente misturados.

VISÃO GERAL DO HOSPITAL

Primeiramente, o hospital. “O que é um hospital?”. Um hospital não é uma Unidade Básica de Saúde, uma UBS. Esta, a UBS, está mais para uma casa, um espaço em que todos os serviços e profissionais encontram-se bastante próximos, separados por alguns corredores e, em alguns casos, alguns poucos andares. Inclusive, quem conhece as UBS dos municípios da Grande Vitória verá que são exatamente casas, algumas melhor preparadas, outras nem tanto, algumas enormes, outras menores, mas casas. Mesmo fora do Sistema Único de Saúde, já no Sistema Único de Assistência Social, os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) também são casas. São os moradores das casas que dialogam entre si tentando trabalhar com referência e contra-referência, funcionando em rede.

Um hospital não é uma casa. Um hospital é uma vila. Existem vários setores e várias equipes trabalhando em momentos e situações diferentes, e sua rede inicial é o próprio organograma do hospital, da diretoria e superintendência aos serviços ambulatoriais e de pronto-socorro e atendimento, de acesso imediato dos pacientes, considerando internações, centros de tratamento intensivo, dentre outros. Como é uma instituição de atenção secundária e terciária, já tem em seu funcionamento um conjunto de prerrogativas bastante diferentes de outros serviços.

Como se deve saber, o hospital, antes de ter sido uma instituição curativa, tal como é hoje, foi constituído como uma instituição de cuidado. O profissional-base da instituição hospitalar, tirando-se o religioso, que também estava inserido no começo, é o profissional de enfermagem. É, no entanto, com a própria constituição do lugar da clínica médica associada a conceitos positivos e cientificistas que o hospital ganha seu segundo objetivo, que passa a ser então o primeiro: curar doenças, ou seja, resolver problemas de saúde.

O primeiro elemento da realidade que o psicólogo vive no hospital é então a própria constituição do hospital como instituição ampliada com objetivo de cura e cuidados no setor saúde, ou seja, é uma empresa que visa resolver problemas na área da saúde. Essa realidade é complexa no sentido da quantidade de níveis de articulações interiores à própria instituição e exige do psicólogo mais que um saber próprio e específico, também um saber interativo e abrangente.

CONDIÇÕES E ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Em segundo lugar, “Quais são as condições e como se organiza o trabalho do psicólogo no hospital?”. As condições de trabalho são essas condições presentes em qualquer trabalho, sendo elas físicas, químicas, biológicas. Em geral, dentro de um hospital, sabemos delas nos treinamentos admissionais e semestrais sobre os riscos de acidente de trabalho. Aproprio-me aqui para falar das condições que o psicólogo tem, já acrescentando a organização do trabalho, que pode ser dividida nas tarefas a serem realizadas e nas relações humanas presentes nos serviços, situando aspectos das condições salariais, de benefícios, espaço de trabalho, exigência de trabalho multidisciplinar, e assim por diante.

Atualmente, como alguns de vocês devem saber, a psicologia tem lutado por melhores condições salariais e de carga horária, com uma PL de 30 horas semanais mas ainda sem piso salarial fixo. Isso é uma situação complicada em nossa prática, principalmente devido à organização do trabalho, com quantidade reduzida de benefícios ao profissional, cobrança de aumento contínuo do número de atendimentos realizados mensalmente e exigência de produção de relatórios de não-conformidade aos serviços prestados. Devemos pensar nesse aspecto considerando as dificuldades do psicólogo em ter aumento salarial e a dele realizar dupla jornada de trabalho, desgastando-o.

Assim sendo, o segundo elemento que parece-me importante na realidade de trabalho do psicólogo no hospital é a própria condição e organização em que ele se insere. Devemos admitir que não há um hospital igual a outro e que, já de antemão, encontramo-nos com dois tipos de classificações de instituições hospitalares. Considerando o regime, existem instituições privadas (filantrópicas ou não filantrópicas), públicas e universitárias. Considerando o aspecto curativo e de assistência, existem instituições hospitalares gerais e instituições hospitalares com referência em determinada especialidade.

Assim, para cada hospital, considerando a região em que está inserido, sua classificação por regime ou curativo-assistencial, e outros aspectos, haverá mudanças significativas nas condições e na organização do trabalho do psicólogo, tornando-se um grande desafio ao profissional na medida em que exige, no hospital, maior interação com diretorias e chefias com o intuito de atualizar a visão que se tem do profissional e da profissão e, na sociedade, maior participação junto às instituições de classe (conselhos e sindicatos) a fim de lutar por melhorias trabalhistas.

RELAÇÕES COM PROFISSIONAIS AFINS

Em terceiro lugar, em um hospital há várias chefias que coordenam diferentes setores e funcionários. Os setores têm equipes, as equipes trabalham juntas, e assim por diante. Algumas equipes não estão fixas em um setor específico, trabalham de maneira itinerante, em diversos setores ao longo do dia, e uma dessas equipes é a de psicologia. Em alguns hospitais há psicólogos trabalhando especificamente em um ou outro setor, mas ao menos na realidade que temos aqui no estado, a maioria dos psicólogos inseridos em instituições hospitalares tem todo o hospital como local de trabalho, ou um número considerável de setores para trabalhar, não estando restrito a apenas um deles.

Em um hospital temos setores ambulatoriais (como hemodiálise, quimioterapia, radioterapia, o próprio ambulatório, pronto-atendimento, pronto-socorro) e setores de internação. Em cada um deles há secretários, técnicos de enfermagem e enfermeiros, profissionais fixos nesses espaços. Há outros profissionais, não fixos aos setores, como os médicos, os nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, que circulam por enfermarias e atendem em diversos locais. Este é o caso da psicologia que circula por diversos setores lidando com profissionais afins aos cuidados e tratamento do paciente.

Uma coisa é considerar o trabalho do psicólogo individualmente. Isso já toca em questões relacionadas à compreensão que se tem do nosso trabalho, próximo do “apagar incêndios”, “resolver os conflitos não resolvidos pela equipe”, “fazer o paciente voltar ao tratamento”, “restituir o paciente a determinada condição esperada”, “limpar lágrimas”, “conversar com o paciente”, “manter a paz” etc. Outra coisa é a exigência cada vez mais formalizada de que as equipes trabalhem em conjunto, realizando ações em grupo. Nesse caso temos a visão do psicólogo e a visão de cada um dos profissionais, das profissões e das gerências dos serviços.

São discursos e formas de articulação do laço social diferentes. O enfermeiro enfermaliza, o médico medicaliza, o nutricionista nutriciona, o fisioterapeuta fisioterapeutiza, o assistente social assiste socialmente, o psicólogo psicologi… não! Aí está a situação que temos, a delicadeza da diferença entre o que se espera do psicólogo, que “psicologize”, e o que realmente fazemos. Mas o que realmente fazemos? É nítido que cada profissional oferece a si próprio e sua profissão ao paciente, mas não sei como isso acontece no campo da psicologia.

O terceiro elemento que considero importante na realidade do psicólogo no hospital diz respeito à realização do seu trabalho e a diferença desse trabalho em relação ao que é esperado dele. É um desafio dos mais difíceis, pois devemos estar cientes de que praticamente todos os demais profissionais sabem claramente o que deve ser realizado, o que deve ser feito. Uma fala que aponta para essa dificuldade é quando o psicólogo, diante das situações hospitalares, pergunta-se sobre o querer dos outros profissionais acerca de seu trabalho, como se fossem os outros profissionais, e não ele próprio, quem soubesse. Parece-me um fato: se não sabemos o que fazemos, faremos o que nos for pedido; por outro lado, será que sabemos de fato ou isso é algo que se constrói a cada caso? Então, o que sabemos?

Diante de tamanho desafio, o diálogo constante com os demais profissionais do hospital e com os outros profissionais da psicologia tanto no hospital quanto fora dele, além de estudos e discussões são boas estratégias para se começar a pensar no que fazemos. A escolha da abordagem teórica é algo que também pretendo discutir.

RELAÇÕES COM PROFISSIONAIS DA PSICOLOGIA

Em quarto lugar, não há nada mais difícil que uma relação. É essa palavra que trago para pensar a questão do trabalho do psicólogo com outros profissionais, falado acima, com profissionais da psicologia e, mais a frente, com os pacientes. Quem cursa psicologia forma-se psicólogo; quem forma-se psicólogo supostamente trabalha como psicólogo. Mas o que é trabalhar como psicólogo? Quem vê as discussões dos sistemas conselho de psicologia sabe bem que nem todo psicólogo participa dos debates e que isso, função de vários motivos, também tem relação com a escolha da abordagem teórica. Quando Ana Bock (psicóloga social, co-organizadora do livro “Psicologias”) e alguns outros definem a psicologia como um campo pluralizado, psicologias, eles já apontavam para essa situação.

Cada vez mais temos aberto um número levemente maior de vagas para psicólogos em instituições como os hospitais; isso é um ganho. No entanto, temos mais profissionais de abordagens diferentes trabalhando juntos, mesmo sendo psicólogos. Cada pessoa já tem sua forma particular de trabalhar, ainda mais quando diz respeito a questões teóricas que modificam a forma de entendimento e intervenção na realidade cotidiana.

Não acredito que os trabalhos dos psicólogos sejam completamente diferentes. O psicólogo acolhe, escuta, intervém e avalia seu trabalho. A diferença não se dá na generalidade do trabalho, no campo abstrato, mas na especificidade concreta do acolhimento, da escuta, da intervenção e da avaliação. Cada um desses aspectos, e de outros que provavelmente não estão aqui presentes, depende de vários fatores, dentre eles, do próprio psicólogo, considerando características pessoais e sua formação profissional, e da abordagem teórica a qual ele carrega na realização de seu trabalho.

Uma palavra é deixada de lado e outra é valorizada em função da abordagem teórica. Uma intervenção é descartada ou acatada em função da abordagem teórica. Seria possível dizer que apesar de focos diferentes, os efeitos produzidos são parecidos? Mas quais efeitos, os produzidos pelo acolhimento (que todo psicólogo faz), ou, mais especificamente, o acolhimento realizado por certo profissional com base em certa abordagem?

Remeto-me aqui à constituição da psicologia hospitalar no Brasil, bastante relacionada à inserção de psicólogos psicanalistas no contexto hospitalar, diferente da constituição da psicologia da saúde, que se constituiu com psicólogos de outras abordagens. Agora que esse quadro modifica-se gradualmente, com outras abordagens e um maior número de profissionais, a situação exige outros olhares.

Além da situação do profissional, temos a ampliação da possibilidade de inserção de estagiários em contexto hospitalar, muitos deles com abordagens teóricas diferentes das dos orientadores-supervisores. Como trabalhar nesse tipo de contexto e situação? O ecletismo do profissional resolveria o problema?

Como quarto elemento da realidade do psicólogo no hospital escolhi, portanto, a relação do psicólogo com os demais psicólogos inseridos nesse espaço. Não acredito que o ecletismo teórico-prático seja a melhor saída. Acredito, por outro lado, que o melhor caminho é o da manutenção de um posicionamento de diálogo e respeito diante da diferença apresentada pelo outro profissional não no sentido de fazê-lo seguir da mesma maneira mas, inegavelmente, considerar a possibilidade de escutar o outro e se deixar, ao menos inicialmente, refletir a respeito dessa diferença que é apresentada.

Um psicólogo de abordagem psicanalítica não precisa tornar-se um behaviorista para se adequar ao estagiário que se interessa por tal área, mas nem por isso deve deixar de escutá-lo e de acolhê-lo em suas questões. Por outro lado, um estagiário não precisa se adequar ao profissional, a ideia do estagiário formatado, mas deve escutá-lo e, a partir da interação entre ambos, fazer as escolhas que julgar mais interessantes na medida de sua própria formação. Acredito que esta seja uma estratégia para se trabalhar com profissionais de diferentes abordagens, afinal de contas, o serviço é um só, o de psicologia; a forma como se realiza o serviço, aí são outros quinhentos.

RELAÇÕES COM OS PACIENTES

Chego ao que considero ser o último elemento do trabalho do psicólogo no contexto hospitalar, muitas vezes tratado como o único, mas, definitivamente, o mais importante, afinal de contas, quando se contrata um psicólogo para trabalhar no contexto hospitalar, contrata-se para que ele trabalhe com o paciente. Gostaria de melhorar a frase: “contrata-se para que ele trabalhe com o paciente no hospital, sobre determinadas condições e formas de organização, relacionando-se com profissionais afins e com profissionais e estagiários da própria profissão”.

Pessoa, paciente, cliente, usuário, indivíduo, sujeito. Qual o melhor termo? Pulo essa parte.

Eu diria que o trabalho do psicólogo em relação ao paciente diz respeito ao acolhimento, à escuta, à intervenção e à avaliação do trabalho com esta pessoa no hospital. A quem se acolhe? A uma pessoa que, a depender da comunidade que o hospital atende, sequer entende o que tem. Alguém que sofre, que chora, que acredita que sua doença seja um castigo divino, que insere sua doença em um processo maior relacionando-a a sua história de vida. O que escuta? Depende da abordagem. Como intervém? Idem. Como avalia? Também.

Em geral sabemos que o psicólogo atende pacientes nas enfermarias de internação, nos centros de tratamento intensivo, nos pronto-socorros e pronto-atendimentos e nos setores ambulatoriais. Para cada local, de acordo com o espaço, a quantidade de pessoas, os demais profissionais da equipe, o psicólogo terá que pensar sua forma de atender. Há também trabalhos em grupo. Grupos informativos que ajudam a organizar as ideias do paciente e dos familiares; grupos pré e pós-operatórios para acompanhamento dos pacientes com determinado adoecimento; grupos com pacientes em hemodiálise, em quimioterapia, em radioterapia; grupos com acompanhantes.

É evidente que o trabalho do psicólogo no hospital, na maioria das vezes, não é o foco principal, mas coadjuvante. É o trabalho de cura, primeiramente, e de cuidado, em segundo lugar, que tem maior foco. Quando esses trabalhos apresentam dificuldades, o psicólogo é chamado. Mas um fato, se o psicólogo apenas atende aos chamados, ele atende apenas aos chamados, nada mais. Ele apenas mantém o que se espera dele.

Uma verdade é que, muitas vezes, quando trabalhamos, mesmo não respondendo à demanda dos outros profissionais, alguns dos efeitos que produzimos são os que eles esperam, então eles agradecem da mesma maneira. A saída que acredito para esse problema está na consideração da verdade, de qual verdade. Existem as verdades dos fatos, que são as que os pacientes e acompanhantes contam buscando tentar encontrar uma causa, o momento. Existem as verdades apontadas nos exames. Existem as verdades das experiências dos profissionais envolvidos. A verdade que falo, no entanto, que é sempre uma verdade meio complicada, é a verdade específica presente na história de vida de cada um. Eu diria um pouco mais, da verdade mal-dita, mal-entendida, construída no discurso da história de vida de cada um em relação à sua doença, que pode a princípio não ter sido sua, mas, inegavelmente, foi construída em seu corpo. Uma verdade realizada na relação da vida com o corpo que fala, contada por uma pessoa doente.

Seria possível levar essa ideia até o fim? Seria possível acreditar que uma doença como um câncer é obra do seu dono, um corpo que fala? Não estou falando de se responsabilizar pelo tratamento – algo extremamente importante -, estou falando de se subjetivar a relação da doença com o corpo. Nesse campo, pela dificuldade do assunto, eu aponto o conceito lacaniano de “gozo”.

O psicólogo, na maioria das vezes, trabalha próximo do campo dos desejos, se eu faço uma leitura psicanalítica dos demais trabalhos. Ele compreende os termos “necessidade”, “querer” e “desejo” como sinônimos e trabalha considerando a necessidade, o querer, o desejo do paciente. Um exemplo mais claro disso é quando se considera o que chamamos cuidados paliativos. Esse trabalho caminha no sentido da amenização do sofrimento, da possibilidade da pessoa ter uma melhor qualidade de vida (falo aqui inclusive de promoção da saúde) seja em seus últimos instantes ou em seus últimos dias, meses, anos. Tem-se aí a ideia de um alívio. Aliviar o paciente de manter tamanho sofrimento, como, em outro exemplo, quando ele acredita que sua doença foi provocada por Deus, que lhe imputou a punição por seus pecados. Seria possível, ao invés de des-dizer a pessoa, mesmo com uma reflexão parcimoniosa para ver o outro lado da questão, colocá-la em posição de recolocar inclusive essa situação? Uma retificação?

O paciente não fala apenas de sua doença. Ele fala do médico que o assiste, da equipe de enfermagem, do parente, dele próprio, de sua história de vida. Ele reclama do profissional – que tem sua parcela de responsabilidade – e diz que quer encerrar o tratamento por não ser bem atendido. Há um conflito a ser tratado: um paciente querer desistir do tratamento por não estar sendo bem cuidado. Dessa queixa compreendem-se duas cenas: a de quem reclama de um serviço prestado com qualidade abaixo do esperado; a de quem decide não reclamar ou mudar de lugar, mas desistir da situação, lançando a responsabilidade ao outro. É esta relação “do eu ao outro”, que deve ser recolocada. Como se descobre facilmente, esse outro, essa outra pessoa, na historicização da vida do paciente, toma um lugar diferente. Que lugar é esse?

O termo subjetividade aqui talvez nos ajude, afinal, foi o termo utilizado por Ana Bock e outros para denominarem o objeto da psicologia, principalmente por ser um termo nublado, sem concretude específica, podendo ser utilizado de várias maneiras. Inegavelmente, diz-se que todo psicólogo trabalha com o sujeito. Sujeito é traduzido por pessoa, paciente, cliente, usuário, indivíduo. Acredito que esteja aí a confusão do termo, pois cada teoria traz consigo uma marca diferencial do que é o sujeito, explicita ou implicitamente. Há algum tempo, vi, inclusive, um cartão de uma pessoa que dizia “trabalhar com o foco no sujeito”. Gostaria de saber de que sujeito essa pessoa falava mas imagino que ela tenha escrito essa informação tentando marcar que ela não trata a pessoa como objeto, mas como sujeito.

Tratar uma pessoa como sujeito é igualar pessoa e sujeito como uma coisa só. Gostaria de saber como é isso em outras abordagens. Em termos de uma psicanálise, a noção de sujeito é deslocada para seu lugar no discurso, por isso que se diz que ao tentar realizar uma retificação, essa retificação se dá na relação da pessoa com seu próprio discurso, um “si>torná-lo”. “Si>torná-lo” o próprio discurso que é a ação da pessoa que simboliza o mal-dito, o mal-entendido de sua vida em relação a isso que lhe ocorre no corpo, sua doença e, mais que isso, seu gozo.

Há algo de um reconhecimento aí! O cuidado paliativo a partir dessa perspectiva, p. ex., leva a noção de implicação ao último momento; responsabilidade não necessariamente com o tratamento, mas com a produção da doença, cuja significação se atualiza no trabalho do paciente em analisar-se, a, em relação a seu discurso, “si>torná-lo”.

Esse último elemento da realidade do trabalho do psicólogo no hospital, eu o vejo como um desafio dos mais singulares e dos mais inquietantes, pois depende ainda mais do profissional formado e de sua formação mas, também, da abordagem teórica que ele escolhe para guiar-se em sua prática.

Agradeço mais uma vez pelo convite realizado, espero ter contribuído para as reflexões de vocês considerando os cinco aspectos que nomeei e apresentei e coloco-me à disposição para o debate a respeito de questões suscitadas.

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