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O texto “O que é o Ensino?” foi uma carta-dissertação que construímos para responder a essa questão tão fundamental para a Educação. Ele foi produzido depois de termos realizado as provas de Julho/16 na Faculdade Multivix Vitória como diálogo frente aos acontecimentos decorrentes de nossa avaliação. A carta serviu de provocadora aos alunos e também de motivadora para seguirem diferentemente com a formação. Que ela sirva também para tocar a quem se aventurar a lê-la. Assumimos que é um dos textos mais importantes e mais profundos que já escrevemos.

Abraço!

Flávio Martins de Souza Mendes.
Psicólogo Psicanalista em Vitória/ES.

O que é o Ensino?

 

“Um professor que se preze…” poderia ser a forma de iniciar uma dissertação sobre o tema, embora viesse a servir muito mais como um manifesto ou como a idealização e universalização da posição de professor que, realmente, para discutir o ensino. Outra forma poderia ser a de iniciar perguntando sobre a etimologia da palavra “ensino” ou mesmo das palavras “educação” ou “pedagogia”. Penso que, embora esse caminho seja bastante promissor, ele só faria retornar ao fato de que não necessariamente há bons passados sobre alguns termos que utilizamos no presente. Tal reflexão é pautada na concepção de que a linguagem, além de ser construída nas práticas sociais, é permeada pelas ideologias constituídas em função das relações de poder existentes nessas práticas, concepção esta discutida por diversos e queridos autores.

Como seria possível iniciar, então, essa reflexão sobre o ensino se não passando pela idealização do lugar do professor e, consequentemente, o do aluno, ou caminhando pela construção etimológica e, portanto, sócio-ideológica das palavras relativas ao ensino? Uma alternativa que me coloquei foi a da vertente pessoal, visando transitar pelas experiências cotidianas em relação ao processo de ensino. Dessa forma, saio do campo das construções ideológicas do passado, assim como o das idealizações das posições e me aproximo do campo das práticas ideológicas cotidianas. Não fujo, portanto, das ideologias, apenas passo a tratá-las a partir de uma versão menos universal e mais singular.

Em tese, o trabalho de um professor é o de ensinar aos seus alunos determinado conteúdo. Ele professa ou ministra algo a alguém. De certa forma, aprender um conteúdo é ter introduzido, com o viés perfurante do termo, este conteúdo em seus conhecimentos, às vezes até com certa violência na qual um sabe do conhecimento e o outro é obrigado a obtê-lo. O próprio uso do termo “absorver” aponta nesse sentido: “não absorvi o que foi dito”. Para se garantir que o conteúdo foi corretamente introduzido no aluno, este sendo entendido quase como o tudo de ensaio do professor, são feitas avaliações nas quais o que se pergunta visa captar a informação de que o aluno sabe exatamente aquilo que o professor já sabe de antemão, ou seja, que o conhecimento retorna ao mesmo lugar, funcionando entre duas pessoas. Ele sai de A, vai a B e retorna a A por meio da avaliação. A então entende que B sabe aquilo que A já sabia, na dura homofonia do “A vai a B”. É a ideia da transmissão mais pura da mensagem, de que ela pode e deve ser passada integralmente de um a outro, nada mais animalesco, no sentido direto da transmissão da mensagem: não ocorrer equívocos.

Há talvez professores, a saber, pessoas que suportam esse ofício, que assumem esse papel, que acreditam possuir essa identidade, que não se incomodam com a identificação a esse lugar. Eu, pessoalmente, me incomodo profundamente em saber que o aluno sabe o mesmo que eu sei, e ler respostas que mostrem essa realidade é simplesmente encontrar-me com o espelho. É o momento em que a Bruxa da Branca de Neve, dirigindo-se ao espelho, pergunta “espelho, espelho meu, existe alguém mais linda do que eu?”, e o espelho, refletindo o que a Bruxa lhe aponta, responde exatamente “espelho, espelho meu, existe alguém mais linda do que eu?”, para total constrangimento daquela, afinal de contas, espelhos não falam, eles refletem. Entretanto, o refletir do espelho e o refletir que considero no campo psico-pedagógico-social são completamente diferentes, pois o refletir em nosso campo, é uma reflexão em seu trabalho de novamente flexionar o que é o conhecimento, curvá-lo, vergá-lo, transformá-lo em outra coisa.

Uma dúvida quanto a isso, consequentemente, considerando o mal-estar proveniente da repetição dos tubos de ensaio ano após ano, é “como seria possível interferir na construção do ensino de maneira tal que o aluno não mais refletisse mas reflexionasse?”. Essa pergunta me levou a pensar em um método novo nas avaliações: tornar as questões objetivas das provas evidentemente mais decorativas e transformar as questões discursivas de modo a ficarem de fato abertas e abrangentes, colocando o foco não no decorar e sim na construção do aluno, em sua capacidade de alcançar elementos novos e distintos em uma boa escrita.

Essa primeira tentativa me fez esbarrar em um problema nas primeiras aplicações da proposta: todas as respostas discursivas eram idênticas, seguiam igual percurso, construíam um raciocínio repetido, todos eles extremamente fechados, descritivos, acompanhando a apresentação dos textos das matérias, 1234, nunca em ordem diferente, 1342, 2431 ou em outro formato mais abstrato e/ou inovador. A conclusão proveniente disso é que, apesar de modificar o formato, encontrei o mesmo resultado que já encontrava com perguntas discursivas fechadas. Entendi, então, que a primeira tentativa foi um fracasso e que, embora os alunos soubessem o conteúdo, eles mantinham-se na posição anterior, de tubo de ensaio do professor.

Essa tentativa foi repetida duas, três vezes ao longo dos semestres, e eu encontrei sempre os mesmos resultados. Embora isso tenha promovido uma frustração impressionante, pois não há tanto prazer em obter sempre os mesmos resultados, foi possível alcançar uma nova reflexão: quando o aluno faz a prova, ele parece estar muito mais preocupado com o desejo do professor que com o seu próprio desejo; ele parece mais se preocupar em estudar o assunto para responder às questões solicitadas que de fato entender qual a relevância desses assuntos em sua formação (embora, ao fazer isso, ele já se situe diante de um suposto princípio de relevância do assunto, afinal, se o assunto é dado pela instituição e pelo professor, ele é um assunto necessário e sobre isso não se fala, se cala); ele se permite entrar no funcionamento que o força a agir de uma maneira X ou Y em função das demandas dos outros, não colocando em questão seu próprio desejo.

Talvez seja isso o que acontece, me parece que sim, tendo em vista a construção histórico-ideológica dos termos ensino, educação, pedagogia. O aluno não exatamente fala a partir de uma posição desejante, de um lugar implicado com seu futuro, ele fala de acordo com a posição de respondente das demandas do outro, moldando-se a esse formato e exigindo que o formato se mantenha caso seja modificado, pois é a forma como ele está aprendendo. No contexto do consultório, o que escutamos é que essa modelização das pessoas 1) constitui sua realidade psíquica e 2) as aprisiona nessa realidade como realidade única.

Agora, como instaurar outro modelo de ensino estando inserido dentro de um modelo-modelo-modelo-modelo: Modificando as provas? Retirando as avaliações? Trabalhando com experiências cotidianas? Indo mais a campo? Quebrando ou aumentando a relação professor-aluno? Há tantas possibilidades, mas tão poucas permissões institucionais. O que pensei foi criar novos contextos de avaliação, como ir para a segunda tentativa, a saber: mexer novamente no formato das questões da prova.

A segunda tentativa, então, foi a criação de dois tipos de questões e a mudança na forma de correção: Haveria questões objetivas com sentenças corretas voltadas para a articulação com um contexto dado anteriormente, exigindo do aluno não a compreensão do certo e do errado, mas do certo e o errado de acordo com o contexto, no sentido do dentro e fora de contexto; e aquelas discursivas de articulação entre dois temas distintos da matéria, internos à apresentação dos assuntos ou externos, de modo a identificar a forma como o aluno articula os conhecimentos adquiridos via tubo de ensaio – se é isso o que realmente acontece. A correção diante das questões discursivas seria realizada da maneira mais pormenorizada possível, considerando estilo da escrita, concordância verbal, erros gramaticais, construção do raciocínio e, por fim, os conhecimentos do assunto, portanto, uma correção bastante minuciosa. Entendi que um momento de avaliação da prova posterior à realização da mesma seria fundamental para conhecer como os alunos apreenderam os resultados e a correção.

Assim, ao fazer isso, percebi alguns aspectos significativos: houve produção de frustração geral entre os alunos devido às notas, juntamente com outras afetações como a reflexão sobre as respostas feitas. A avaliação das provas foi acompanhada de um movimento de sabatina agressiva por parte dos alunos, sobre a qual suponho que o motivo principal fosse deslocar o sentimento de frustração na direção do professor, visando-o como objeto de ódio.

No primeiro momento que isso aconteceu, minha reação, embora de surpresa, foi de manter a calma a todo custo e evitar, de todas as maneiras possíveis, agir com uma postura de enfrentamento, para não privar os alunos de se manifestarem. Ao contrário, essa postura permitiu que diversas manifestações de ódio, de incômodo e de frustração fossem postas, as quais foram acolhidas na medida do possível, tentando entender de onde vinham e de que forma eram suscitadas. Utilizando-me desse movimento, caminhei no sentido de mostrar não exatamente que o aluno estava errado, embora isso tenha acontecido em certas ocasiões, mas, principalmente, quais eram as contradições presentes em suas respostas, em que parte houve confusão, qual parte estava mal escrita, se não seria realmente algo novo que colocava em questão minha explicação, quais pontos produziram desconhecimento do assunto, se a dificuldade estava na construção da prova ou no raciocínio do aluno.

Na medida em que isso acontecia, eu percebia que muitos alunos mudavam sua postura, inicialmente de ataque por se sentirem frustrados, machucados, para em seguida entenderem que tinham espaço para falar e poderiam, inclusive, questionar o funcionamento da avaliação, pois percebiam gradativamente que não seriam punidos ou atacados em retorno. Entendo que isso aconteceu pois naquele segundo momento já não estava ali presente o professor de correção exigente e minuciosa, mas a pessoa que construiu a prova e gostaria de entender como os erros surgiram, no sentido de compreendê-lo e reconstruí-los, suportando os ataques e tentando debater.

Ao final da sabatina, pedi que os alunos respondessem a duas perguntas, uma sobre onde estava o erro da prova e outra sobre o que seria possível resolver. Foram feitas respostas autorreflexivas, críticas, sugestões, comentários gerais de questões, preocupações com a própria escrita, pensamentos sobre seu posicionamento na própria formação e no curso. Depois do primeiro dia de trabalho discuti com a monitora como aquele momento foi perturbador e analisador, como ele pôde ter permitido que os alunos vissem outro formato, vislumbrassem outra forma de funcionamento da matéria.

Nos outros dias seguimos da mesma forma, particularmente diferente de turma a turma, mas também com os incômodos, as discussões e assim por diante. Assuntos não compreendidos na prova foram reexplicados, questões problemáticas foram debatidas, incômodos foram problematizados. O que me chamou a atenção é que houve participação de alunos que nunca se envolveram nas aulas, que sempre mantiveram uma posição silenciosa, de acompanhamento passivo das aulas. Isso foi algo novo. Também, como novidade, surgiram reflexões, algumas preocupações com a formação, a troca e o diálogo entre alunos de um modo novo, mobilizados afetivamente pelas circunstâncias que foram produzidas com a correção dura.

Após a última aula conversei com a monitora sobre o que aconteceu e a respeito de como os alunos ficaram, suas frustrações e incômodos, o modo como agiram ao longo da disciplina, como pareceram se posicionar ao final da aula, mas, principalmente, de que maneira algumas dessas situações de forma alguma aconteceriam nas circunstâncias que vivemos habitualmente. Eu soube que, com o que aconteceu, as próprias monitoras já começaram ou ampliaram suas reflexões sobre o modo de funcionamento das monitorias, pois  identificaram pouca participação dos alunos ou notaram que a monitoria precisava de um formato mais atrativo e envolvente.

Retorno, então, à pergunta inicial: afinal, “o que é o ensino?”. Melhor pensa-la por outra via. O que se espera do ensino: Que o aluno responda a uma avaliação e continue estudando para tal? Que as provas mostrem que o aluno sabe algo e, caso não saiba, ele terá que aprender forçadamente até mostrar que sabe? Que o foco está no conhecimento que o professor passará ao aluno, enchendo seus potes com o saber?

Essa semana não foi dura apenas para os alunos. As noites foram insones para mim. A reflexão sobre o ensino, a transmissão do conhecimento, a construção dele, sua avaliação, me tomaram a semana inteira. Lembrei-me de várias situações e contextos passados, dentre eles o do documentário “Olhos Azuis”, no qual a profissional em um experimento social humilha os participantes e faz com que eles mudem sua postura, passando de pessoas implicadas e envolvidas para pessoas preocupadas e ansiosas, para mostrar como o preconceito racial muda a forma de trabalho. E aqui estamos em uma instituição de ensino qualquer preocupados em modelar todas as práticas. Lembrei-me das ideias do filósofo Edgar Morin, que contempla a noção de caos para a construção do pensamento e dos funcionamentos complexos, a saber, o conhecimento complexo não se constrói por simples leitura, é preciso manter a tensão e o estranhamento entre as contradições dos fenômenos e dos funcionamentos. Para ele, o saber não pode ser tratado como estanque e fechado, como certo por excelência, todos são relativos. Apesar dessa noção relativa, o peso do conhecer aumenta consideravelmente pois, para que se entenda a complexidade, as interligações, as formas de uso, as diferenças contextuais, é necessário que se conheça basicamente ou intrincadamente tudo. Lembrei-me dos estudantes paulistas, que tem feito manifestações ininterruptas há vários meses, ocupando as escolas, construindo práticas coletivas de aprendizado e debate, somando-se à organização dos espaços, à discussão do ensino, à articulação entre si e com os professores. Isso porque estão sendo implicados não apenas pela vontade de mudança, mas pela frustração com tudo o que tem sofrido, com a falta de respeito, a falta de verba, o pouco investimento e envolvimento da prefeitura e do estado. Essas reflexões fazem parte da pergunta sobre o que é o ensino.

Não sei como os alunos pensam mas, como professor e como pessoa, me incomodo profundamente em saber que todos escrevem a mesma coisa, o que é um reflexo, de fato, da forma como tudo tem funcionado. Será que não é possível fazer nada que permita mudar essa realidade? E se não conseguirmos mudar a realidade, não é possível criar ao menos alguns espaços torcidos, curvados? Afinal, qual professor está satisfeito com o ensino? Qual aluno está satisfeito com o ensino? Quem realmente está satisfeito com o ensino? Quem?

O ensino clássico é aquele no qual o professor insere no aluno os seus conhecimentos, e é responsabilidade do aluno aprender obrigatoriamente tudo, na mesma ordem que o professor lhe passar. Nesse caso, o aluno é o tubo de ensaio do professor que é um químico do conhecimento.

O ensino atual é aquele no qual o professor tem que inserir no aluno os seus conhecimentos, mas o aluno é cliente do professor e, portanto, também quer isso, da forma que for, mas não parece tão mais interessado em aprender se não em ter o conhecimento e continuar logo, pois está demorando demais. Nesse caso, o aluno é o tubo de ensaio pagador do professor que é um químico do conhecimento.

Quando será possível colocar “aluno e professor” <> “professor e aluno” juntos trabalhando cada um com seus tubos de ensaio, discutindo os resultados das experiências realizadas e construindo seus conhecimentos em interação? Minha terceira tentativa foi essa: fazer uma prova e colocar todos para avaliarem e, ao final desse processo, entendendo que muito que foi discutido ultrapassa o que foi antes passado ou mesmo escrito na prova, reavaliar todo o processo e redistribuir as pontuações, mexendo com o funcionamento.

Essa fórmula, contudo, é bastante falha do ponto de vista de sua manutenção constante, embora possa servir de questionadora ímpar, pois pode perturbar todo o funcionamento do sistema avaliativo. Pretendo, contudo, construir outras formas.

Resumindo a proposta que foi realizada, pensando que ela só foi possível ser construída pelo somatório dos acontecimentos, não sendo pensada à priori, ela aconteceu da seguinte maneira: A prova foi composta por questões objetivas decorativas, somadas a questões objetivas com respostas corretas mas somente verdadeiras de acordo com o contexto e questões discursivas abertas com temas a serem integrados. Correção rigorosa e criteriosa considerando todos os erros linguísticos, de conteúdo e epistemológicos identificados. Avaliação da correção com acolhimento dos incômodos, visando utilizar os afetos produzidos para realizar uma contra-avaliação extremamente rica e profunda de todos os aspectos da avaliação, assim como trocar o máximo de conhecimentos e construir novos para justificar os raciocínios. Avaliação escrita sobre os erros da prova, possibilitando a reflexão tanto de fatores do professor quanto do aluno, visando elaborar o que aconteceu na experiência. Redistribuição das notas, recolocando a pontuação na avaliação e permitindo retornar ao funcionamento corrente.

Esse foi um formato. Precisamos pensar em novos.

Após pensar nesse texto, várias outras reflexões foram se formulando em meus pensamentos. Isso culminou na produção de um sonho no fim de semana, no dia seguinte ao lançamento de todas as notas, de correção de provas de outras disciplinas e de construção de provas integradas. O sonho é o seguinte:

“Sonhei que estava em uma área aberta com alunos, familiares e outros. Esse ambiente parecia uma das roças que eu ia quando criança. Havia muita gente ali. Lembro-me de uma aluna falando que queria brincar de roda e de eu ter respondido que não seria possível acontecer naquele momento. Depois disso, um aluno me chamou ao canto e perguntou se eu poderia avaliar sua prova. Não parecia que ele queria revisar, mas que queria avaliar pela primeira vez, como se fosse uma apresentação oral da prova. Ele perguntou se eu tinha algum tempo e eu disse que sim. Então nos dirigimos a uma parte com alguns banquinhos, uma mesa tipo de bar e um balcão de atendente do bar. Eu sentei num banquinho alto ou fiquei em pé na ponta da bancada do atendente e escorei a cabeça na mão erguida, colocando o ombro apoiado no balcão. O aluno então passou a ler sua dissertação. Havia um tom bem interessante em sua leitura e eu parecia aceitar sem muito esforço. Um tempo depois, de repente, ele começou a falar que tinha uma música, a do Bob, e que tinha que tocá-la para responder àquela parte da prova. Eu, contudo, não me lembrava de quem era o Bob, tampouco sua música. Então ele chamou três crianças que a mim pareceram ser suas priminhas e eles passaram a tocar a música em instrumentos musicais que brotaram em suas mãos. O ritmo era o tan tan tan, tan nan nan, tan nan nan nan tan tan tan, tan nan nan, tan nan nan. Eles tocaram até chegarem a um momento no qual soltaram os instrumentos e fizeram uma pequena roda entre si e começaram a rodar ali na minha frente. Eu estava levemente cético, descrente talvez, um pouco envergonhado em ver aquilo. Olhei para a minha direita e vi minha antiga professora de saúde, minha professora de formação, supervisora, que me convidou para assumir as disciplinas de Saúde Coletiva e de Psicologia da Saúde 1, e fiz uma expressão para ela do tipo “eles que se manifestaram, eu não disse nem pedi nada disso”. Ela não me respondeu verbalmente, reagiu com um sorriso doce, veio em minha direção, segurou minha mão esquerda, entrou na roda e foi fazendo todo mundo ali entrar na roda e seguir a música, que já tocava em todo o ambiente. De repente, todos nós seguíamos fazendo uma imensa roda, com todos ali, enquanto a música continuava tocando. Ao seguir, para fechar a roda, com minha mão direita segurei na mão da aluna que havia dito antes que gostaria de uma dança de roda e lhe disse “parece que você vai fazer a dança de roda com a música do Bob”. Ela perguntou qual Bob. Eu não sabia dizer qual, falei: “Bob Esponja? Não. Bob Esponja é uma bobagem. Tentei novamente e disse Bob, do mundo, triciclo andando, Bobby!, do Fantástico Mundo de Bobby.”

Acordei emocionado entendendo qual era o fim de tudo isso, a finalidade. No momento que o aluno me apresentou aquele formato e eu tive a liberdade para acolhê-lo, e no instante seguinte quando ele começou a dançar em roda e eu próprio disse “veja, eu não tenho nada a ver com isso, isso é obra dele, é a criatividade dele que está se manifestando pois eu não pedi coisa alguma nesse sentido”, eu me dava conta de que essa seria a melhor forma possível de ensino, embora não tão simples de ser realizada, mas uma incrível torção, flexão a ser considerada. No sonho eu pedia à minha professora para me ensinar isso, ciente de que era assim que eu mesmo me respondia à pergunta desse texto. O melhor ensino para um professor, para mim, é aquele que não exatamente ensino, mas que construo com/aprendo com/apreendo. O melhor ensino para um aluno não é aquele em que ele é formatado, mas aquele no qual ele constrói com/aprende com/apreende algo dos contextos e se implica no processo dando consequências ao que está em questão.

Inegavelmente, nessas semanas de provas e avaliações as turmas aprenderam conhecimentos ao longo das aulas. Inegavelmente, aprenderam a discutir temas variados. Inegavelmente, fizeram várias questões dos estudos dirigidos e pensaram no que fazer. Inegavelmente, agora tem melhor pontuação na avaliação do semestre. Entretanto, quando um aluno se perde na pergunta “o que o professor quer?”, ele se esquece da pergunta “o que eu quero com isso tudo?”. Quando muitos reclamaram “não sabemos o que você queria aqui”, em relação à prova ou a alguma questão, eu só posso responder que realmente, não há o que saber do meu querer, pois nesse momento, ele quer bem além do que uma resposta na prova, embora eu saiba que há um sistema sobre nós, há um sistema em nós, que nos impõe, que nos impomos. Há barreiras.

Só dois parêntesis antes de terminar: Primeiro, agradeço a todas e a todos que ficaram até o final participando da correção, mesmo com o desconforto vivenciado. Agradeço por terem respondido ao trabalho de avaliação ao final e digo ter ficado muito contente por identificar que houve pessoas que se perguntaram sobre qual rumo pensam em dar para a formação, em como precisam melhorar na forma de pensar e de estudar, inclusive na forma de escrever, assim como quem se permitiu comentar e sugerir possibilidades para a prova que montei. Foi realmente regozijante! Segundo, notei que houve pessoas que disseram ter estranhado a forma de avaliar pois a avaliação também colocou muito foco nos erros de escrita e sobre isso gostaria de fazer um comentário: Concordo, há excessos nisso, entretanto, embora a psicologia tenha basicamente um termo que coloca o foco nos processos ditos mentais, não se encontrou até hoje uma forma mais eficaz de trabalhar com tais processos se não pela vida da palavra. Modifique a abordagem, pense em outras estratégias, e voltamos à palavra. Isso só mostra o quanto somos dependentes da linguagem para trabalhar com a psicologia. Desconsiderar essa preciosidade é ser ingênuo diante do que estudamos. Fecho parêntesis.

A melhor forma que encontro para terminar esse texto sobre o ensino, tentando finalizar esse aspecto sem encerrá-lo de fato, é deixando aqui uma frase concreta por ser histórica e política que se tornou um mito – não qualquer mito bobo que inventamos hoje em dia. Que ela não sirva somente a mim, mas a todos vocês que me escutam proferi-la. Acredito que ela serve muito bem a esse final e espero que também sirva para vocês. Ela se diz, em alto e bom som para responder o que é o ensino, e reverbera na posição da criança e do criar, pois é da criatividade relacionada à esse lugar o que se trata. Eu digo então, diante de vocês: “Eu tenho um sonho!”. E vocês, o que tem?

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