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imagem de pessoa fazendo psicoterapia, e fica a pergunta se psicoterapia funciona

Quando o assunto “psicoterapia” aparece nas conversas cotidianas é comum alguém lançar a pergunta: “Psicoterapia funciona?”. No senso comum, as práticas psicológicas são geralmente associadas às conversas entre amigos e aos desabafos, exemplos que produzem desconhecimento sobre o que de fato acontece. Daí concluir que elas não funcionam, pois, afinal de contas, todos nós conversamos com amigos e desabafamos, nem por isso, embora fiquemos bem, nos resolvemos com nosso mal-estar.

Além disso, quantas vezes não escutamos alguém dizer que fulano foi o “psicólogo da galera”, que em seu serviço beltrana é “um pouco psicóloga”, que “o taxista foi um bom psicólogo”, associações feitas à ideia de que alguns são bons “ouvintes” e “conselheiros”? Esses dois elementos até comparecem nas psicoterapias, mas será que são suficientes para englobá-las e compreendê-las? O ponto é que a psicoterapia não é igual aos exemplos; ela é mais complexa que as ideias do senso comum, que, ainda que em algumas situações sejam válidas, neste caso, são simplistas.

Portanto, sempre que em uma conversa aparecer a pergunta “Psicoterapia funciona?”, algumas boas respostas são aquelas que põem em questão a concepção que a pessoa tem de psicoterapia e o que ela espera disso, assim como as que mostrem como um processo de psicoterapia realmente funciona. Este texto segue essa sugestão de boas respostas e tem por propósito apresentar o funcionamento de uma psicoterapia para, aí sim, comentar se ela funciona (sua eficácia e/ou efetividade).

Como uma psicoterapia funciona?

Uma breve introdução

Se buscarmos a história das psicoterapias, chegaremos ao final do século XIX e início do século XX, quando a medicina passou a buscar uma nova forma de tratamento para curar as doenças “nervosas”, por meio psíquico, e não físico. Nesse começo da psicoterapia, a primeira prática que se propôs foi a hipnose, técnica com a qual o próprio Freud iniciou seus trabalhos, embora tenha nela encontrado dificuldades, o que o levou a construir um novo método, chamado de associação livre. Ao longo desses pouco mais de cem anos, não existe apenas uma, mas dezenas de psicoterapias, com diferentes concepções teóricas e propostas[i].

Em um texto escrito em 1905, nos primórdios da psicanálise, Freud[ii] fala sobre a psicoterapia e seu valor como tratamento psíquico. Nele, apresenta sua proposta de tratamento, a psicanálise, e informa aos médicos de sua época seu valor, por tratar dos processos psíquicos, diferenciando-a das formas como tais profissionais tratavam e ainda tratam seus pacientes, principalmente pela via medicamentosa, que considera aspectos físico-químicos. Ali o pensador já mostrava uma diferença clara entre as duas formas de terapia.

Outro aspecto também importante nessa introdução é que existe uma compreensão específica no termo terapia, que forma palavras como psicoterapia, farmacoterapia etc. Terapia remete aos termos “cuidado”, do grego, e “cura”, do latim, os quais significam ações para proteger e melhorar (ex., “curar o queijo”, “curador da exposição”, “curatela” etc.) e apontam para uma direção a qual se pretende alcançar. Diferentemente, na medicina, o termo “cura” ganhou a conotação de restabelecer a saúde, como um retorno ao que se foi antes. Esse aspecto é importante, pois o tema da cura é uma questão para as psicoterapias e para a psicanálise[iii], tendo em vista que a ideia de restabelecer ou retornar a um estado anterior não é aplicável a esses contextos.

A(s) psicoterapia(s) e seu funcionamento

Com o passar do tempo, diferentes formas de psicoterapias foram desenvolvidas. Um estudante de psicologia, por exemplo, entrará em contato com várias propostas, entre as quais a Psicanálise (Sigmund Freud), a Gestalt Terapia (proposta por Fritz Perls), a Terapia Cognitiva (Aaron Beck), a Psicologia Analítica (Carl Jung), a Terapia Comportamental (Frederick Skinner), a Terapia Corporal (Wilhelm Reich), a Terapia Humanista (Carl Rogers) e suas respectivas ramificações e atualizações. Além dessas, há outras tantas não diretamente relacionadas à psicoterapia, mas que estudam o ser humano e também propõem formas de trabalho.

Então, quando uma pessoa busca um profissional de psicologia, ela não encontrará somente uma proposta de tratamento, mas várias, e isso interfere no percurso que será realizado, embora não seja o único aspecto, nem o essencial para a psicoterapia – embora seja fundamental para o profissional. O psicanalista Renato Mezan faz um comentário bem interessante sobre isso:

“O que torna as correntes [teorias/abordagens] psicológicas próximas ou distantes uma das outras não é que os pacientes que procuram um psicanalista junguiano são habitados pela sombra e pelo arquétipo [conceitos da teoria de Jung], e aqueles que consultam um analista freudiano no outro andar do prédio são habitados por inconsciente, superego e pulsão [conceitos da teoria de Freud]. Isso equivaleria a postular que, se o sujeito sai de um consultório e entra em outro, magicamente o aparelho psíquico dele se transforma e no lugar do superego passa então a existir outra coisa. O que acontece é que aquilo que aparece na situação clínica vai ser tematizado de acordo com um certo sistema de escolhas fundamentais […]. A diferença entre uma corrente psicológica e outra, a meu ver, está no aparelho conceitual e na habilidade de que essa corrente dispõe para descrever, aprofundar e compreender os fenômenos sobre os quais vai se pronunciar”[iv].

Com sua fala, fica claro como a teoria do profissional, seu aparelho conceitual, influencia em sua prática e modifica a condução do tratamento com o paciente, sendo fundamental para as escolhas do profissional, e compõe sua parte na psicoterapia. Mais fatores estão presentes no funcionamento e pesquisadores do campo das psicoterapias têm discutido a respeito. Um deles, Jean Cottraux[v], médico e psicoterapeuta cognitivo-comportamental[vi], indica sete princípios que seriam comuns às psicoterapias eficazes, a saber:

  • reconhecimento da influência das vivências precoces na organização dos problemas atuais;
  • consideração da influência da memória e dos processos inconscientes, principalmente a memória autobiográfica;
  • intervenção sobre os sistemas de crenças e as interpretações errôneas da realidade;
  • trato das emoções durante o tratamento;
  • construção de uma relação positiva do paciente com o psicoterapeuta;
  • realização de ações psicoeducativas com o paciente;
  • prescrição de comportamentos para os pacientes.

O autor indica no texto que as concepções sobre os conceitos e as práticas diferem de uma proposta psicoterápica para outra e reconhece que alguns dos princípios têm diferenças específicas na psicanálise, a saber: para além da relação positiva, trabalha-se com a transferência; tanto as ações psicoeducativas quanto a prescrição de comportamentos são reduzidas na psicanálise, embora apareçam em relação ao tratamento, não à vida da pessoa.

Percebe-se como esses sete princípios ultrapassam a noção comum de que uma psicoterapia é somente uma conversa ou um desabafo. Na realidade, ela é uma composição estruturada de elementos que o profissional realiza espontaneamente em conjunto com o paciente.

Já no campo da psicanálise, o psicólogo Jonathan Shedler[vii] apresenta sete fatores da técnica psicanalítica, sendo eles:

  • foco no afeto e na expressão da emoção;
  • investigação das tentativas de evitar pensamentos e sentimentos estressantes;
  • identificação de temas e padrões recorrentes;
  • discussão das experiências passadas com foco em sua influência sobre as dificuldades atuais;
  • foco nas relações interpessoais;
  • foco na relação terapêutica entre profissional e paciente;
  • investigação das fantasias construídas pelo paciente.

Se compararmos os princípios apresentados por Couttrax com os fatores mencionados por Shedler, podemos notar algumas convergências: ambos falam, usando termos relativos às suas propostas de trabalho – os quais as modificam –, sobre a importância de investigar as experiências passadas e as memórias; da identificação de crenças, padrões de pensamento, temas que lhes são recorrentes; do trabalho com emoções e afetos; do valor da relação terapêutica construída entre profissional e paciente. Divergem, entretanto, quando Couttrax aponta para as ações psicoeducativas e a prescrição de comportamentos, enquanto Shedler fala das relações interpessoais e da investigação das fantasias construídas pelo paciente.

Essa comparação mostra que há elementos comuns às psicoterapias, mas também diferenças significativas, algo que será reencontrado se compararmos outros pesquisadores de psicoterapias. Além disso, é importante entender que, mesmo que duas propostas trabalhem aspectos parecidos, como a questão dos afetos ou das vivências passadas, cada uma será distinta, tanto na forma específica de a teoria propor como tratá-los, quanto no estilo singular do profissional. A partir de então é possível perguntar se há aspectos imprescindíveis ao processo.

O psiquiatra e psicanalista Miguel Restrepo[viii] refletiu sobre diferentes estudos de fatores comuns às psicoterapias, resumindo-os a alguns poucos. Primeiramente, ao considerar a complexidade dos fenômenos mentais, ele situa algo fundamental, a saber, que nenhuma teoria é suficiente para abarcá-los em sua totalidade e, por isso, todas trazem algo de certo, mas também pontos falhos, o que impõe aos profissionais a consideração respeitosa dos seus estudos e os dos colegas.

A partir desse apontamento, Restrepo chega à reflexão de que todas as propostas psicoterapêuticas são eficazes, embora não da mesma forma para todas as pessoas, o que o conduz aos aspectos imprescindíveis. Ele aponta os seguintes:

  • a relação entre paciente e profissional, por ser um ingrediente ativo em todas as propostas, a partir da qual todo o trabalho se fundamenta;
  • prover uma nova compreensão ou racionalidade ao que o paciente traz, o que inclui também os acordos sobre o funcionamento do tratamento;
  • a presença do terapeuta, que abarca qualidades, disposição à escuta, o desejo de atender, a formação, assim como as percepções que o paciente tem dele;
  • a presença do paciente, que é quem, de modo geral, faz a maior parte do trabalho, na medida em que é o artífice da cura, sem o qual o tratamento não funciona.

Ao insistir nessa questão, Restrepo diz que talvez o fator curativo mais importante é a relação entre paciente e terapeuta – lembrando da palavra “cura” no sentido de cuidar, de acompanhar um processo –, inclusive maior que a própria teoria que o profissional utiliza, pois é a qualidade da relação o fator que permite que algum trabalho seja realizado em qualquer tipo de circunstância.

Essa reflexão acerca da relação construída é tão importante que o psicanalista Heitor de Macedo[ix] indica que o que permite o desenrolar do processo terapêutico é a qualidade do vínculo, ou seja, “a qualidade do chão sobre o qual se desenrola o processo analítico e sem o qual o encontro seria impossível”.

Se no começo desse texto foi dito que a psicoterapia difere de uma amizade, de um desabafo e de um aconselhamento, é possível confirmar, agora, que ela até carrega consigo um pouco desses elementos. Entretanto, eles e vários outros comparecem estruturados espontaneamente, de forma complexa e singular, em função do vínculo que é construído entre o profissional e o paciente e da formação teórica e clínica do primeiro.

Mas, afinal, psicoterapia funciona?

Sim! Psicoterapia funciona. A pessoa que passa por uma psicoterapia encontra-se significativamente melhor que quem não passa por qualquer intervenção, assim como fica em melhor estado que com intervenções informais, com o passar do tempo ou com o uso de placebos. Além disso, seus efeitos são duradouros e podem ser identificados após alguns anos sem o tratamento, caso este seja levado a contento. Contudo, isso depende de cada caso, em se tratando da gravidade e da complexidade do sofrimento[x], ou seja, os resultados não serão necessariamente os que a pessoa busca, tampouco produzidos imediatamente, como se espera de uma pílula, sendo necessário um trabalho processual.

Em comparação com o uso de medicamentos, a psicoterapia alcança resultados iguais ou superiores, mesmo com depressões orgânicas, com a vantagem de diminuir a taxa de recaídas, pois o trabalho focado nas questões existenciais fortalece a pessoa. Já em casos com maior fragilidade, o tratamento integrado de medicamentos e psicoterapia pode trazer melhores resultados, tendo em vista que os fármacos auxiliam na regulação do organismo, enquanto a psicoterapia trata das questões da existência[xi].

Além da maneira estruturada como funcionam, algumas variáveis são importantes para melhorar os resultados das psicoterapias, por exemplo: as características do paciente, do meio em que ele vive e de suas interações; as intervenções do profissional, que incluem a qualidade do vínculo construído, novas formas de compreensão do padecimento e de experiências emocionais; o efeito das expectativas do paciente diante do profissional e do tratamento; a credibilidade do profissional, que aumentam o envolvimento do paciente; as técnicas específicas de cada profissional, aprendidas em sua formação[xii]. Note que essas variáveis se relacionam com os fatores comuns apontados por Miguel Restrepo.

Atualmente, existem diversos estudos de eficácia e efetividade das diferentes psicoterapias, feitos de acordo com a compreensão que as propostas teóricas têm desses padecimentos. Esses estudos não são o foco do texto, mas poderão ser apresentados posteriormente.

Por fim…

Caminhando para o encerramento, é possível resumir o texto destacando o seguinte sobre a Psicoterapia:

  • ela teve início com a busca de tratamentos para as doenças “nervosas”, e atualmente existem diferentes propostas e práticas sendo realizadas;
  • tem uma relação importante com as noções de cuidado e cura, no sentido da direção que se pretende alcançar, e funciona como um trabalho processual, não como uma pílula mágica;
  • as diferentes teorias fazem parte do sistema de escolhas que o profissional utiliza para intervir no que é apresentado pelo paciente;
  • funciona de maneira estruturada, composta por princípios ou fatores que permitem o trabalho do profissional em conjunto com o paciente, ultrapassando as ideias de que ela é uma conversa entre amigos, um desabafo ou aconselhamento;
  • possui pelo menos quatro aspectos imprescindíveis, a saber: a presença do paciente, a presença do profissional, a relação construída entre eles e a nova racionalidade construída no processo;
  • a qualidade do vínculo é fundamental para que o trabalho se realize, pois é ela que dá a base para que o processo aconteça;
  • apresenta resultados mais significativos que interações informais, que a espera do tempo ou o uso de placebos e tem resultados duradouros quando o tratamento é levado a contento, embora seja importante considerar a gravidade de cada caso;
  • apresenta resultados iguais ou melhores que os medicamentos, possibilitando reduzir recaídas, por tratar das questões existenciais da pessoa, mas é importante considerar o uso conjunto em alguns casos.

Sugestões de leitura

Para além do que foi apresentado sobre a Psicoterapia, ficam algumas sugestões de materiais que te ajudarão a se aprofundar no assunto:

Agora que você já tem uma noção de como uma psicoterapia funciona e de que ela de fato funciona, pode refletir sobre a possibilidade de realizar um tratamento, assim como ter mais elementos para conversar sobre o assunto. Dê-nos um retorno sobre o que você achou do conteúdo do texto, pois isso ajuda a conhecer a opinião do público.

Até mais!

Flávio Mendes, psicólogo psicanalista em Vitória/ES.

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Obs.: Agradecemos o suporte de leitura e diálogo de diferentes áreas proporcionado por Ireny Martins, Joelma de Riz, Júlia Balestrassi, Mariana Passamani, Vicenza Lorenzon, que fazem parte de nossa rede de amizade. A contribuição com a leitura e comentários nos auxilia a melhorar a qualidade do texto e torná-lo mais compreensível.

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Referências

[i] Mezan, R. (1996). Psicanálise e psicoterapias. Estudos Avançados, 10(27), 96-108.

[ii] Freud, S. (1905[1904]). Sobre psicoterapia. In:______ (2017). Fundamentos da clínica. Belo Horizonte: Autêntica Editora, p. 63-77.

[iii] Idem i.

[iv] Mezan, R. (2002). Interfaces da psicanálise. São Paulo: Companhia das Letras, p. 462.

[v] Cottraux, J. Outro olhar sobre o inconsciente e as psicoterapias. In: Meyer, C. (org). O livro negro da psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileiro, 2012, p. 611-631.

[vi] A escolha de primeiro citar Cottraux mostra nossa posição de respeito diante das demais proposições teóricas no campo das psicoterapias, assim como de busca dos limites entre as proposições.

[vii] Shedler, J. The efficacy of psychodynamic psychoterapy, American Psychological Association, 65(2), 98-109.

[viii] Restrepo, M. U. (2008). Factores comunes e integración de las psicoterapias. Rev. Colomb. Psiquiat., 37, suppl. 1.

[ix] Macedo, H. O. (2012). Cartas a uma jovem psicanalista.  São Paulo: Perspectiva, p. 138.

[x] Vasco, A. B., Santos, O. & Silva, F. (2003). Psicoterapia sim! eficácia, efectividade e psicoterapeutas (em Portugal). Psicologia, 17(2), 285-495.

[xi] Idem x.

[xii] Idem x.

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