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Filme: Loucas de alegria

O filme italiano, lançado em outubro no Brasil, “Loucas de Alegria”, é uma comédia dramática dirigida por Paolo Virzi e estrelada por Valeria Tedeschi e Micaela Ramazzotti.
O filme narra a loucaventura de Beatrice e Donatella, ambas internadas em uma comunidade terapêutica judiciária. Inicialmente, conhecemos Beatrice, socialite extravagante, faladeira e mandona, que se envolveu com um mafioso e foi presa. Pouco depois, aparece Donatella, mulher tímida, com humor triste e sem interesse na vida, devastada física e emocionalmente com histórico de tentativa de suicídio junto a homicídio do filho. Rapidamente, Donatella cola em Beatrice formando uma amizade que se aprofunda ao longo da história. Elas conseguem fugir da comunidade e passam a fazer diversas peripécias pela cidade.
Uma divagação sobre o título chama a atenção para duas questões: os afetos e o diagnóstico psiquiátrico.
O título “Loucas de Alegria” aponta para o afeto da alegria que se exacerba até a loucura, como um desequilíbrio afetivo do tipo “é tanta alegria que enlouquece”. Isso não é o transtorno mental do louco, mas a manifestação exacerbada dos nossos afetos.
Esse sentido é belamente expresso na palavra grega pathos(lê-se patos mesmo), que faz referência à paixão, excesso, catástrofe, sofrimento, sentimento; também referida à ideia de doença na modernidade. O pathos é o conjunto das paixões da alma, dos sentimentos excessivos que temos.
As paixões da alma são nossos sofrimentos e excessos. Já percebeu que chamamos de loucas as pessoas que riem ou choram demais, que se enfurecem constantemente ou tem ciúmes excessivos? Basta que haja um excesso para nomearmos como loucura. É assim que se pode interpretar o título “Loucas de Alegria”. Pense nisso em sua vida: quais são as paixões e os sofrimentos da sua alma, esses afetos que divertidamente perturbam o tempo todo?
Em relação ao diagnóstico psiquiátrico, existe uma diferença entre nosso sofrimento (o pathos) e os transtornos mentais. Quando conseguimos avaliar nosso sofrimento, agrupá-lo em classes, esse agrupamento é chamado de transtorno mental. Assim, nós temos sofrimentos e os classificamos como transtornos.
No filme, Beatrice ou Donatella têm paixões exacerbadas, e é dessas paixões, do pathos, que elas sofrem. Uma é “louca” de amor por um mafioso e a outra é “louca” de amor por seu filho. Elas são exageradas em suas paixões e afetos, portanto, são loucas, mas não tem sofrimentos classificados no grupo do transtorno da loucura, a Psicose.
Beatrice apresenta sintomas como humor elevado, impulsividade, autoestima exagerada, envolvimento em situações de risco, além de falar ininterruptamente, inventar histórias, mandar em todos e buscar ser o centro das atenções, enquanto a Donatella apresenta humor deprimido, redução excessiva do peso, fadiga, sentimento de inutilidade, culpa excessiva e pensamentos de morte, além de fazer uso de drogas.
Ao agrupar as vivências singulares de cada uma e utilizar o Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM), eu consigo dizer que: 1) Beatrice poderia receber o diagnóstico de transtorno bipolar maníaco; ou de transtorno de humor com uso de substâncias, caso tivesse feito uso de substâncias; ou de esquizofrenia, caso tivesse histórico anterior de perda de realidade, quebra do pensamento e alucinações; 2) Donatella poderia ser diagnosticada com transtorno depressivo recorrente com tentativas suicidas e associação a uso de substâncias, que poderia modificar o nome de acordo com o que veio primeiro, os sintomas depressivos ou o uso de substâncias.
Talvez você não tenha notado, mas o diagnóstico do transtorno mudaria devido a uma variação dos sintomas agrupados e da ordem de ocorrência. Digamos que um amigo seu esteja vivenciando os sintomas da Donatella. Diferentemente dela, os sintomas começaram após o falecimento de seu pai, que aconteceu semana passada. Não podemos dizer que ele está com depressão, pois embora tenha sintomas depressivos, o contexto que está vivendo é o do luto da perda do pai.
Só poderemos dizer que esse agrupamento de sintomas é chamado de depressão quando avaliarmos que seu amigo, passados dois ou três meses, continua sem fazer nada e sem querer se envolver com a vida. O fator tempo é fundamental aí.
A título de informação, nós psicólogos não fazemos diagnóstico psiquiátrico, isso é função do médico psiquiatra, mas podemos conversar e pensar a respeito do diagnóstico.
Agora, quanto a você, é importante entender que se estiver sofrendo, seja lá de qual forma, é fundamental que procure imediatamente um profissional para te acolher e avaliar sua situação, ao invés de tentar fazer um autodiagnóstico do que está passando. É um cuidado importante que precisamos ter conosco mesmos.
Até o próximo!
Abraço!

Observação: Essa publicação compõe o projeto-piloto “Psicologia, Psicanálise e Saúde Aplicadas às Artes”, realizado como uma experiência de Lista de E-mails durante o período de setembro e novembro de 2016. Contém dez publicações: “Viver socialmente sem se apagar”, “O desejo humano envelhece?”, “O Inconsciente, nosso estranho familiar”, “Será que somos todos loucos?”, “Essa família é muito unida e também…”, “O que você procura no amor?”, “Apagar as memórias cura nosso sofrimento?”, “O que você sabe sobre as drogas?”, “O que você faz com a sua preguiça?”, “Será que existe um duplo seu por aí?”.

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