Livro: Da Preguiça como Método de Trabalho
O livro “Da Preguiça como Método de Trabalho”, escrito pelo poeta Mario Quintana, é um elogio à preguiça e ao ócio. A preguiça da qual Quintana fala tem papel fundamental na produção e na construção do novo, sendo fonte de sua criatividade – isso porque ele estava extremamente implicado com ela. No texto, o poeta fala de diversas situações em que a preguiça aparece. Dê uma lida em alguns dos trechos:
“A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro. Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lombo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa. — Enfim — concluiu ele, após uma audiência com o respectivo xá, ou coisa que o valha —, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia! — Mas — objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental — o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!”.
“Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária. Já viram desconfiança igual? Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.”.
“Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.”.
A preguiça nesses trechos aparece como ócio, ausência de pressa em se adiantar, como consideração dos percursos e caminhos, criatividade e produção.
Quando o xá perguntou ao engenheiro o que faria nos outros 29 dias, a questão é essencialmente essa: “Ao longo dos anos nós conseguimos encontrar uma maneira de lidar com os 29 dias que restaram, mas o que faríamos com esses dias após a construção da estrada de ferro?”. Talvez você diga que ele poderia descansar mais. Sejamos sinceros, será que conseguimos aproveitar melhor quando ganhamos mais tempo ou, na maioria das vezes, acabamos achando outras coisas para fazermos que nos ocupam ainda mais?
Escutamos falas assim: “Nossa, seria ótimo se o dia tivesse 48 horas!”. Podemos pensar sobre isso: O dia tem 24 horas, das quais trabalhamos dez. Durante esse período, não conseguimos realizar tudo que temos a fazer. Ao invés de refletirmos sobre o que temos feito, pedimos mais horas para realizarmos as tarefas. Se com 24 horas nosso dia está abarrotado por deixarmos isso acontecer, quem nos garante que não faremos o mesmo se o dia tiver 48 horas? Aí existe uma contradição: ao invés de buscarmos mais horas para fazermos nossas atividades, temos que nos questionar por que tantas atividades, por que o mau uso de nossas horas.
Nos 30 dias que a viagem era realizada, podemos supor que o xá via a paisagem, pensava no desconforto de andar a camelo, refletia sobre a vida, ponderava sobre o tempo e a distância, ou seja, tomava sua vida em consideração. Mas o quanto estamos dispostos a tomar nossa vida em consideração?
Seguindo com Quintana, quando escreveu um trabalho intitulado “Preguiça” em uma página em branco, ele criou um paradoxo fascinante. Foi por isso que, tendo seu trabalho recusado, ele disse que censurar uma página em branco é o cúmulo da censura. Isso é cômico porque, embora a página estivesse em branco, ela estava de fato repleta de criatividade.
No último trecho, Quintana diz que aquilo que prejudica sua preguiça também prejudica seu trabalho, e aí está o ápice de seu posicionamento: a preguiça não é contraria ao trabalho, mas é o que o viabiliza, está em seu cerne. Essa é a reflexão mais importante sobre a preguiça, englobando o ócio, o descanso, as férias. A preguiça não seria o contrário do trabalho, mas o que permite tomar a vida e o trabalho em consideração.
A preguiça nos coloca diante das nossas faltas e acúmulos. Ela nos permite contemplar a vida enquanto passamos por ela andando de trem, rapidamente, ou na garupa de um camelo, lentamente. Já pensou a respeito? A saída não está em pedirmos mais horas para trabalharmos, mas sim em refletirmos sobre nossas faltas e acúmulos para então seguirmos em frente. Pensando nisso, o que você tem feito com sua preguiça?
Já parou para pensar no quanto as pessoas gostam das sextas e se incomodam com as segundas? Se nós chegamos nesse ponto é porque alguma coisa aí não está legal, não é?
Até o próximo!
Abraço!
Observação: Essa publicação compõe o projeto-piloto “Psicologia, Psicanálise e Saúde Aplicadas às Artes”, realizado como uma experiência de Lista de E-mails durante o período de setembro e novembro de 2016. Contém dez publicações: “Viver socialmente sem se apagar”, “O desejo humano envelhece?”, “O Inconsciente, nosso estranho familiar”, “Será que somos todos loucos?”, “Essa família é muito unida e também…“, “O que você procura no amor?”, “Apagar as memórias cura nosso sofrimento?”, “O que você sabe sobre as drogas?”, “O que você faz com a sua preguiça?”, “Será que existe um duplo seu por aí?”.