Um tipo de resistência em particular foi denominada¹ por Freud com o termo “Verdrängung”, que foi traduzido por “Repressão” ou “Recalque”, embora as duas traduções tenham significações e correlatos teóricos diferentes. É necessário entender que a construção desse conceito, assim como a de vários outros na obra freudiana, acontece em função de sua importância no contexto clínico, servindo como um operador na prática do psicanalista. Essencialmente, segundo Freud:
“[…] o recalque consiste simplesmente em afastar determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância” (Freud, Repressão, Vol. XIV, p. 152).
A relação do conceito com a técnica psicanalítica aparece no trecho seguinte, quando Freud insere o conceito Recalque na leitura do que acontece na análise:
“[…] Ao executarmos a técnica da psicanálise [a associação livre], continuamos exigindo que o paciente produza, de tal forma, derivados do recalcado² [associações], que, em consequência de sua distância no tempo, ou de sua distorção, eles possam passar pela censura do consciente. […]. No correr desse processo, observamos que o paciente pode continuar a desfiar sua meada de associações, até ser levado de encontro a um pensamento, cuja relação com o recalcado fique tão óbvia, que o force a repetir sua tentativa de recalque [em ato].”. (Freud, Repressão, Vol. XIV, p. 154-155).
O recalque, então, é uma forma de negação e rechaço de elementos do psiquismo [ideias, emoções, memórias] para fora da consciência. É um mecanismo que tem um dispêndio de energia grande, realizando uma pressão para manter os elementos no Inconsciente. Sustentá-lo provoca um dispêndio de energia que desgasta a pessoa, pois ela fica direcionada para manter elementos psíquicos aprisionados. A remoção do recalque, por meio das associações livres do paciente e das interpretações do psicanalista, poupa a energia da pessoa para que ela possa utilizar em outras situações de sua vida.
No senso comum, o conceito Recalque foi associado ao sentimento de Inveja com a popularização errônea do termo, principalmente na música “Beijinho no Ombro”. Se você tiver interesse em obter mais informações a respeito, sugerimos a leitura do artigo “Recalque versus inveja: beijinho no ombro”, de Fernanda Macedo. O link de acesso:http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ep/n42/n42a05.pdf.
Ao dizer “Beijinho no ombro pro recalque passar longe”, a pessoa está dizendo “beijinho no ombro para que eu me sinta mais livre para viver, porque estou prendendo meus pensamentos e resistindo a lidar com eles” e não “Passa longe, invejosa/o!”.
Bom, beijar o ombro não faz recalque nenhum passar. É com análise mesmo.
Beijinho no ombro!
Notas:
¹ O texto consagrado à apresentação deste conceito é o “Repressão”, de 1915, vol. XIV nas Edições Brasileiras das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
² No texto, o tradutor utilizou o termo repressão, então você verá repressão/reprimido no lugar de recalque/recalcado.
Maravilhosa a explicação! Agora, em posse desse recurso, passei a entender muitas outras coisas. Claramente não sou profissional da área, apenas um curioso, e a primeira coisa que eu pensei quando abri a página e vi a ilustração foi “OMG, o que é que essa ilustração tem a ver com o recalque? Por enquanto eu ainda não sei mas com certeza ao final da leitura eu entenderei.” Dito e feito. Uma imagem que passa perfeitamente o conceito que foi abordado. Obrigado por espalhar conhecimento. Um abraço. Digo, beijinho no ombro 😙
Olá, Lucas! Que bom que a explicação te ajudou a compreender o conceito e a imagem que destaquei. Sinta-se convidado para conhecer o site e também os trabalhos que faço no Youtube e no Facebook. Até mais ver!
Otima explicação
Ei Sonia, agradecido! Que bom!
Muito enriquecedor!!!
Ei Lucas, que bom que contribuiu! Até mais!
Texto muito bem elaborado, esclareceu inúmeras dúvidas….
Olá Mayara, que bom que gostou! Obrigado pelo retorno!
Ótima explicação, estou eu com meu polígrafo estudando pra prova, precisava dessa luz. Vale!!!!
Oi Quelen! Legal, que bom que contribuiu! A prova de Psicanálise é em que curso? Se puder, conte um pouco que eu gosto de conhecer os percursos de quem se aproxima. Até mais!
De que forma as crenças religiosas contribuem de forma negativa e perturbadora no processo de recalcamento se assim poderíamos nos expressar?
Olá Andrea! Acho que você já deu a resposta em sua pergunta, pois já situou que as crenças religiosas contribuem de forma negativa e perturbadora no processo de recalcamento.
A leitura que o Freud fez da religião em sua obra foi relacionando a experiência religiosa com a experiência da neurose obsessiva. Tem um texto chamado “Atos obsessivos e prática religiosa” (vol. 9) ele chega a dizer que a religião seria como uma neurose obsessiva universal, no sentido de que da mesma forma que na neurose obsessiva há um recalque dos conteúdos sexuais, na experiência da pessoa religiosa há um recalque dos conteúdos egoístas e antissociais para que se possa viver a religiosa. Assim, a pessoa religiosa acaba não acessando parte de seus processos em função dos valores religiosos.
Só que é importante entender que Freud tomou por base o judaísmo, então, sua reflexão talvez se estenda mais às religiões que se relacionem ao Torah e à Bíblia: catolicismo, protestantismo etc. Em religiões como o espiritismo ou as de matriz africana como o candomblé, é certo que essa experiência do recalque não pese da mesma maneira.
Espero ter contribuído! Até mais!
Bom dia! Parabéns pelos esclarecimentos, muito rico seu artigo. Não sou da área, mas gosto de ler e tentar entender alguns acontecimentos em nossas vidas.
Poderia me indicar filmes ou séries que retratem esse fato do recalque?
Abç
Sandra
Agradecido, Sandra! Você pode assistir os filmes “Freud, Além da Alma” e “Um Método Perigoso”.
Até!