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O texto a seguir foi escrito para publicação no site “Psicologia Capixaba” (publicado em 12/12/17) como forma de contextualizar o movimento psicanalítico nas terras capixabas. Neste texto, fizemos um apanhado sobre a história do movimento psicanalítico internacional, brasileiro e capixaba. O texto também pode ser encontrado no site Psicologias Capixabas.

Flávio Mendes,
psicólogo psicanalista em Vitória/ES.

A Não-Toda História da Psicanálise no Espírito Santo e Algumas Consequências

Desde seus primórdios, a Psicanálise constituiu-se em torno da questão da história. Seja na narrativa romanesca dos casos clínicos ou refletindo sobre o percurso do campo, já estava presente, na obra freudiana, a construção histórica. Quem faz análise sabe o quanto a história é um dos elementos principais do enredo da clínica psicanalítica.

Gostaria de começar por essa perspectiva para contar a não-toda história da Psicanálise no Espírito Santo. Meu nome é Flávio Mendes, sou psicólogo psicanalista, e, dando sequência ao texto anterior, sobre a História e Atuação do Psicólogo na Saúde do Espírito Santo, pretendo falar sobre como a Psicanálise foi inserida e estabelecida em nosso estado, visando pensar como ela está hoje e ruminar sobre o amanhã.

Admito que essa história é não-toda – termo que, no campo lacaniano, diz respeito à consideração de que o todo comporta uma falta – por eu não ter vivido parte dela e, ainda que tivesse vivido, ser marcado por certos aspectos e não por outros, tornando a narrativa incompleta. Deixo, por conseguinte, meu pedido de desculpas pelas informações que podem não aparecer e pelas pessoas que posso não ter citado.

Antes de iniciar, sugiro a leitura dos textos freudianos sobre a História da Psicanálise, dentre os quais “A História do Movimento Psicanalítico” e “Um Estudo Autobiográfico”, assim como as biografias escritas por Peter Gay e Elizabeth Roudinesco, que abarcam uma parte enorme dos acontecimentos no campo psicanalítico.

Nessas histórias, você conhecerá o que aconteceu ao longo do século passado, incluindo as primeiras reflexões, a elaboração do campo psicanalítico, sua institucionalização com a Associação Psicanalítica Internacional, as críticas a esse processo, seus desdobramentos, as novas instituições e seu movimento no mundo.

Mais que um tratamento, a Psicanálise é uma Cultura

A Psicanálise não é apenas uma proposta de tratamento. Uma explicação de Freud, em Dois Verbetes de Enciclopédia, é a de que, ela “é o nome de (1) um procedimento para a investigação de processos mentais que são quase inacessíveis por qualquer outro modo, (2) um método (baseado nessa investigação) para o tratamento de distúrbios neuróticos e (3) uma coleção de informações psicológicas obtidas ao longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina científica”.

Entretanto, mais que isso, ela é também uma Cultura, pois seus conteúdos são utilizados na construção do modo de interagir e de pensar de seus envolvidos, sendo apropriada em função das interações grupais. É importante o fato dela ter influenciado tantos movimentos sociais e artísticos, e de ter sido inserida em alguns e não em outros países.

Segundo a pesquisadora Cíntia Ávila, que escreveu a tese “Os Psiconautas do Atlântico Sul”, pela Universidade Federal do Espírito Santo, “O antropólogo que pretende estudar a psicanálise e os psicanalistas anda por areias movediças. Ele trafega por amores e ódios intensos, está imerso em interesses múltiplos e conflitantes que, escamoteados (talvez relegados a um segundo plano) em outros campos profissionais, nele são dificilmente disfarçados. Está, como dizem alguns psicanalistas, em meio a uma luta pelo poder ou, como diriam outros, em um campo onde não há como negar a incidência do imaginário” (25-26).

Não há campo que não passe por lutas internas pelo poder ou que não lide com a incidência do imaginário. A avaliação da antropóloga é que isso se torna evidente no campo psicanalítico por ser parte de sua cultura interna de colocar esse fenômeno em evidência, questionando-se sobre esses acontecimentos. Isso me interessa, pois, a Psicanálise não escapa aos fenômenos de grupo, mas se diferencia de outros por colocá-los em questionamento na relação de cada pessoa com o movimento psicanalítico.

Deixo claro que estou apresentando aqui o aspecto de inserção e estabelecimento do campo, não sua clínica, que é uma prática sem igual entre duas pessoas e a linguagem.

Tomarei a obra de Cíntia Ávila como base principal de minha apresentação. Ela me interessou pois Cíntia se aproximou “Psicanálise” no lugar da antropóloga e não no da psicanalista. Assim, onde eu não citar referências específicas, estarei seguindo sua obra.

Introdução e Estabelecimento da Psicanálise no Brasil

A inserção da Psicanálise no Brasil aconteceu inicialmente através da medicina higienista, que tomou o campo freudiano como a panaceia para a sexualidade, e pelo movimento modernista nas artes, como no do escritor Mario de Andrade – Freud é citado no Manifesto Antropófago. Essa parte da história é contada por Luciano Torquarto e Guilherme Rocha, sobre “A Peste no Brasil”, e por Cristiana Facchinetti, no “Psicanálise Modernista no Brasil”, que entendem que a Psicanálise estava associada a um projeto modernista de construção do país.

No final dos anos 1930, a Psicanálise foi se estabelecendo em São Paulo e, posteriormente, no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Havia dois caminhos para a formação em Psicanálise nessa época, indo para o exterior realizar análise pessoal ou recebendo psicanalistas estrangeiros no país. Nesse período, a principal instituição de Psicanálise era a Associação Psicanalítica Internacional (IPA), que se estabeleceu como reguladora da formação do psicanalista – sua história foi contada por Romulo Lander.

Daí em diante, aconteceu a gradativa inserção da Psicanálise no Brasil, sua relação com a psicanálise argentina e com a IPA, assim como diferentes debates e conflitos relacionados à formação do psicanalista. Sobre a Argentina, cito o artigo de Luis Fernando Duarte, “A Psicanálise como Linguagem Social”, que trata da relação da inserção da Psicanálise no país associada a demandas e processos sociais importantes.

No final dos anos 60 e, principalmente, nos anos 1970, foram produzidos desdobramentos na cena psicanalítica no Brasil, período em que o campo alcançou o Espírito Santo e outras localidades, dentre elas, Porto Alegre (RS), contado por Ana Maria Gagueiro e Sandra Torossian, e Minas Gerais, apresentado por Rodrigo Santos e Fuad Kyrillos Neto.

Nos anos 60 instaurou-se no país a Ditadura Militar, que transformou a forma de relações e interações, submetendo a população ao escrutínio e à violência dos militares. Segundo Fuad Kyrillos Neto e Maria Luiza Pádua, tratando do tema “Ditadura Militar e as Sociedades Psicanalíticas”, como a Psicanálise não é uma profissão formal, e sua formação acontece por iniciação, na época, foram constituídas instituições da “verdadeira psicanálise”, por meio das quais se poderia realizar a formação do psicanalista. O termo “barões da psicanálise” foi cunhado como crítica a esse funcionamento.

Me chamou atenção que algo parecido tenha acontecido em nosso estado, quando havia relatos de monopólio da formação dos psicanalistas pelo CEPPES – contarei à frente – que “aglutinava pessoas que detinham o poder, como os antigos coronéis do café, antigos donos de terra” (Cíntia Ávila, p. 130).

Na sequência, temos a construção de diferentes instituições de Psicanálise no Brasil. Essa parte eu deixarei em aberto, mas indico a leitura dos trabalhos de Cristiana Facchinetti e Carlos Pontes, e de Carmen Lucia Oliveira.

Sobre a Psicanálise no Espírito Santo

O começo da Psicanálise no estado do Espírito Santo aconteceu com a vinda de psicanalistas argentinos nos anos 1970, dentre os quais, Hugo Guangiroli, em 1977. Esse grupo estabeleceu uma ruptura com as propostas de saúde mental da época, monopolizadas pela psiquiatria clássica, hegemônica desde os anos 50 quando da construção do Hospital Psiquiátrico Adaulto Botelho – sobre o Hospital, leia o artigo de Carla Carrion, Lilian Margotto e Elizabeth Aragão.

Em contraposição à psiquiatria, Hugo trouxe uma perspectiva de engajamento político e de Psicanálise voltada para a Comunidade, visando a ruptura com o status quo, aproximando os psiquiatras insatisfeitos com a proposta antiga.

Em função do aparecimento de uma demanda por formação, os psicanalistas argentinos pensaram na criação de uma instituição chamada Centro de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas do Espírito Santo (CEPPES), que iniciou como um grupo de estudos e se institucionalizou em 1980. O CEPPES recebeu estudantes de medicina e profissionais de psiquiatria, assim como os primeiros estudantes do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), iniciado em 1978 – a história do curso pode ser conhecida no artigo de Lilian Margotto e Maria Cecília de Souza.

Na reunião para estabelecimento do CEPPES participaram Liberato T. Schwartz, Olga Maria Reis e Silva, Paulo Bonates e Fausto Amarante. No começo, a instituição aglutinava pessoas de posicionamentos diferentes dentro da Psicanálise, que tinham em comum a insatisfação com a psiquiatria da época. Desse modo, o CEPPES formou a primeira geração de psicanalistas do estado e tornou a Psicanálise mais conhecida.

Nos anos seguintes, dissidências começaram a aparecer em relação aos eixos que de estruturação da instituição; se seriam estudadas diferentes linhas psicanalíticas; como estaria organizada sua hierarquia etc. Os psicanalistas argentinos ficaram numa posição privilegiada, por serem responsáveis pelos cursos, análises e supervisões, assim como em determinar quem podia ou não ser psicanalista.

Quando os primeiros psicanalistas foram formados, o funcionamento do CEPPES foi questionado e dissidências passaram a acontecer. Discussões sobre o funcionamento, a hierarquia e outros aspectos se tornaram frequentes nas reuniões.

Concomitantemente, psicanalistas, principalmente do Rio de Janeiro, eram convidados para apresentarem Seminários. Um dos convidados, vindo a Vitória a pedido de Sergio Passos e Roberto Cheib, que participavam do CEPPES, foi o psicanalista carioca José Nazar, que agradou muitos com apresentações da teoria e da clínica psicanalíticas, com base na proposta de Jacques Lacan.

Com a presença e a mobilização de Nazar, a insatisfação diante do funcionamento do CEPPES foi canalizada na proposta de uma “revolução institucional” e na frase, clássica no campo lacaniano, “o analista só se autoriza de si mesmo”. Foi assim que o grupo dissidente se afastou do CEPPES e fundou o Colégio Freudiano de Vitória (CFV).

Nazar era graduado em medicina, começou uma formação clássica em Psicanálise na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro, e se aproximou do psicanalista MDMagno (Magno Machado Dias), do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, para realizar análise. Algum tempo depois, desligou-se da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro.

Gostaria de abrir um parêntesis aqui. Segundo Cintia Ávila, a trajetória que Nazar contou sobre a formação da Psicanálise no Espírito Santo não difere do que sempre acontece na Psicanálise: “A periodização do desenvolvimento da psicanálise em qualquer lugar obedece a um mesmo padrão: estágio pré-psicanalítico, criação de grupos informais, formalização de instituição transmissora do conhecimento e da prática psicanalítica, rompimentos, reclassificação dos grupos em verdadeiramente ou não psicanalíticos” (p. 134).

Essa reflexão é bastante interessante para pensarmos o processo/progresso da Psicanálise na Sociedade. Da mesma forma que aconteceu com a presença de Hugo diante da psiquiatria do estado, Nazar passou a aglutinar pessoas interessadas na Psicanálise e insatisfeitas com o CEPPES, analisando-as e realizando os seminários sobre Lacan. Nesse ponto, já havia estudantes de Psicologia por conta da formação do curso da UFES. Fecho o parêntesis.

O contato de Nazar com o Colégio Freudiano de Vitória (CFV), em 1982, tornou a proposta de Lacan conhecida, possibilitou os primeiros estudos, com os cartéis, e a ideia de fundar uma instituição – o cartel é uma contraproposta aos grupos de estudos, que Lacan apresentou na fundação da Escola Freudiana de Paris, em 1964. Em 1983, o CFV foi formalizado, acompanhando a estrutura do Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, tendo por base a teoria lacaniana a partir dos comentários de MDMagno.

Algum tempo depois, Sérgio Passos, que estava junto com Roberto Cheib no CFV, ambos analisandos de Nazar, rompeu com a instituição e fundou o Campo Significante de Estudos Psicanalíticos, estando com ele, dentre outros, a psicanalista Bartyra Castro Sardenmberg.

O CFV continuou se articulando e se tornou uma instituição bastante fortalecida, como alternativa ao CEPPES. Em 1991, faziam parte dele Angela Maria C. S. Cassol, Hernani Costa Júnior, Ruth Ferreira Bastos, Claudia Pretti Vasconcellos, Marcelo Arruda Kill, Maria de Lourdes Andrade, Vera Lúcia Colnago, Ítalo Campos, Maria Cecília C. O. Cruz, Roberto Cheib, José Nazar, Simone Misságia Hiile, Alice de França Marques, Maria Luiza C. S. Zanotelli, Elizabeth P. Andrade, Ana Maria D. Carvalho.

Nesse ano, o CFV já havia se tornado uma importante instituição de formação de psicanalistas, abarcando um número grande de pessoas, um dos motivos pelo qual seus membros passaram a se questionar sobre a formação do psicanalista, e também devido à leitura simplista que muitos faziam do aforismo lacaniano “o analista só se autoriza de si mesmo”. Visando a reestruturação, a instituição foi dissolvida e foi fundada a Sociedade de Psicanálise do Espírito Santo (SPES), ainda em 1991. A nova Sociedade rompeu com MDMagno e dificultou as regras de entrada, que seria feita via cartel para reduzir o número de participantes e favorecer o rigor no envolvimento destes.

O relato de Cíntia Ávila sobre “Os Psiconautas do Atlântico Sul” se encerra aqui, e eu faço a sugestão para que você leia e conheça melhor essa história. Sobre o que veio depois, aconteceu nos anos seguintes um desligamento de Roberto Cheib e de outros psicanalistas com a Sociedade de Psicanálise do Espírito Santo, construindo o Grupo de Estudos Psicanalíticos (GEP-Vix). A Sociedade de Psicanálise do Espírito Santo se tornou a atual Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória e continua com seus trabalhos. Foram estabelecidas a Escola Brasileira de Psicanálise, delegação Espírito Santo, a Escola da Letra Freudiana, o grupo Psicanálise e Cultura, a Escola Freudiana de Psicanálise de Vitória e a Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo. Essas histórias, contudo, eu não as conheço, mas convido quem puder a contá-las, pois fazem parte do campo psicanalítico no Espírito Santo.

Minha Experiência com a Psicanálise no Estado

Construir um texto sobre a história da Psicanálise no estado sem analisar minha implicação com ela seria desconsiderar minha posição como sujeito desejante diante dessa proposta. Essa análise de implicação que, na Psicanálise, é a análise do desejo, da posição diante do que se realiza, é um aspecto fundamental na formação do psicanalista. Gostaria de recapitular minha experiência e dar as consequências diante do que escrevi, que claramente me levanta questões.

Comecei minha análise pessoal em 2008, no final da graduação em Psicologia, e me aproximei da Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória em 2009. Desde esses anos venho realizando minha formação. Encontrei na Escola psicanalistas com diferentes percursos de formação e trabalho, alguns que estão presentes desde a época em que a Escola Lacaniana era o Colégio Freudiano.

Inicialmente, pensei que a Escola fosse uma “escola”, tal qual falamos de uma instituição que vise a formação e, como muitos, carreguei pré-conceitos que vieram de minha formação até o momento. Foram muitos anos tentando lidar com as propostas e vivências que a Escola apresentava, sejam elas a proposta do que é a formação do psicanalista, a diferença entre o saber da psicanálise e o saber do inconsciente, a relação com os pares (participantes e membros), a participação em cartéis etc.

Alguns aspectos que apontei anteriormente, principalmente os que dizem respeito aos efeitos imaginários e/ou às relações de poder, por vezes estiveram presentes nessas vivências. Com o tempo, entendi que, em uma Escola de Psicanálise, a instituição é a formação do grupo que acontece nela, embora não exista “A” Escola, e sim, as e os psicanalistas envolvidos, trabalhando, preocupando-se com a formação e com a transmissão. Mais que isso, além da instituição, e das(os) psicanalistas, há uma psicanalista interessada em certo aspecto, um psicanalista envolvido com outro, uma outra, algum outro, ou seja, sujeitos ímpares percorrendo seus caminhos entrelaçados pelo desejo de sustentar o espaço Escola.

Não foi sem muitas sessões em análise levando inseguras, questionamentos, insatisfações, birras com a forma como uma Escola se organiza e funciona, e muitas conversas, que cheguei a essa compreensão, e isso porque as reflexões muitas vezes me levaram a uma bifurcação que aponta para dois aspectos: primeiro, que o que eu vivenciava não deixava de ter alguma verdade sobre a Escola; segundo, que o que eu vivenciava não deixava de ter alguma verdade sobre mim. Acho que esse é um dos maiores aprendizados que tive, não sem mal-estar, no campo da Psicanálise, o de que estamos sempre envolvidos naquilo que sentimos, vivemos, fazemos, sem que isso exclua a participação do outro.

Embora eu tenha questões relacionadas a algumas proposições do campo – algo que acho bastante importante, pois se o espírito crítico não exerce a crítica sobre si próprio, ele não é realmente crítico –, o que sinto é um grande respeito por entender que, ao longo de trinta anos, pessoas interessadas na Psicanálise têm construído o campo, formado novos psicanalistas e transmitido algum saber sobre o inconsciente. Isso não é sem entraves, conflitos ou desafios, e é pensando nisso que eu pretendo dar um passo para concluir.

E aí?

O psicanalista Sérvulo Augusto Figueira em “Notas sobre a Cultura Psicanalítica Brasileira”, no livro “Nos Bastidores da Psicanálise”, de 1991, diz que “O processo de difusão cultural da psicanálise é praticamente indissociável do seu próprio desenvolvimento teórico e técnico” (p. 219), e segue dizendo que “‘Cultura psicanalítica’ é uma noção derivada da sociologia e da antropologia e, obviamente, é uma hipérbole que tenta chamar atenção para as implicações e causas da difusão maciça da psicanálise em determinado contexto sócio-cultural” (p. 220).

Gosto da expressão que Sérvulo utilizou por se aproximar do que Cíntia Ávila trouxe sobre as lutas de poder e/ou os fenômenos imaginários nos movimentos psicanalíticos, que já não dizem respeito somente à clínica psicanalítica ou à apropriação da Psicanálise em uma Sociedade, mas de como ela funciona internamente.

Como eu disse inicialmente, a Psicanálise é uma Cultura, pois propõe um modo de convivência para seus interessados, relacionado aos seus próprios conteúdos, o que não é sem a presença de conflitos. Isso não é diferente de outros grupos, pois todos vivenciam conflitos, identificações e exclusões. A diferença, penso, é que no campo psicanalítico, mobilizado por sua cultura, esses elementos são postos em foco para que sejam analisados e questionados.

Há, entretanto, um outro lado, pois este também é um campo que acolhe os saberes singulares, que pede que cada um se implique subjetivamente, e que possibilita construir um saber novo sobre essa experiência radical consigo próprio que é a análise. Diante da impossibilidade de haver espaços sem os fenômenos grupais, a Psicanálise propõe não a fuga, mas a análise, o que não é sem cisões, rachas, perdas – e que também não é algo essencialmente ruim.

Nesse tempo de envolvimento com o campo, fica evidente, para mim, que a realidade que temos hoje avançou bastante em relação ao que já tivemos, mas continua e continuará produzindo desafios que dizem respeito à interação entre pessoas dentro de uma cultura, ou seja, a relação com as diferenças, o contato entre os novos e os antigos, o mal-estar proveniente dos choques e das tensões etc.

Contando essa história de cem anos e identificando uma repetição ocorrendo inúmeras vezes, me faz pensar que, nos próximos, continuaremos lidando com esse mesmo acontecimento. Diante disso, acredito que uma postura de aposta, de persistência e de sustentação do desejo de estar e fortalecer o campo é um bom caminho. Dou ainda mais valor a essa postura por notar que uma nova geração de interessados está aparecendo, conhecendo as instituições e construindo seu trajeto.

Assim, que aqueles de maior percurso possam escutar os que estão chegando, pois eles sempre têm algo a pôr de novo, de novo; que aqueles que estão chegando possam sustentar sua aproximação, apesar da presença dos antigos, que já foram novos, questionaram os anteriores, construíram o novo e estão aí; e deixo também uma questão a cada um de nós: que saídas são possíveis diante dessa repetição?

Como disse Hannah Arendt, “O mais radical revolucionário tornar-se-á um conservador no dia seguinte à revolução”. Condenso nesta frase o que penso sobre essa repetição e convido a cada um e uma a pensar a respeito. Retomo, por fim, o “Não-Toda História da Psicanálise” para dizer que a aposta no “Não-Todo” é uma possibilidade sempre pertinente para o campo.

Instituições e Grupos Relacionados à Formação em Psicanálise no Estado

Escola Lacaniana de Psicanálise de Vitória (Praia do Suá, Vitória): 3324-0268. https://www.facebook.com/escolalacaniana/

Escola Brasileira, Delegação Espírito Santo (Praia do Canto, Vitória): 3345-8133. http://www.ebp.org.br/delegacoes/espirito-santo/

Grupo de Estudos de Psicanálise de Vitória (GEP-Vix)

Escola da Letra Freudiana: http://www.escolaletrafreudiana.com.br/

Psicanálise e Cultura (Praia da Costa, Vila Velha): 3299-5556.

Escola Freudiana de Vitória (Jardim Camburi, Vitória): 3022-6618. https://www.escolafreudianadevitoria.com.br.

Associação Psicanalítica do Estado do Espírito Santo (Cachoeiro de Itapemirim): http://psicanalisees.blogspot.com.br/.

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