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Filme: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças

A comédia dramática e ficção científica “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”, foi lançada em 2004 no Brasil, dirigida por Michel Gondry e estrelada por Jim Carrey (Joel) e Kate Winslet (Clementine).
Seu enredo é o seguinte: Joel e Clementine tinham um relacionamento amoroso e tentavam resolver suas dificuldades. Desiludida com a relação, Clementine decide esquecer tudo se submetendo a um tratamento que apaga as memórias associadas ao sofrimento, no caso, o relacionamento. Encontrando-se depois com a ex-namorada, que não o reconhece mais, Joel se deprime e, frustrado e ainda apaixonado por ela, também decide realizar o procedimento. Durante este, ele desiste de esquecer a ex-namorada e começa a encaixá-la em outras de suas memórias.
A memória tem uma riqueza de conteúdos e, por conta disso, não é tão confiável no que diz respeito à veracidade dos fatos, mas é confiabilíssima no que tange a nós mesmos. O que lembramos é muito mais pertinente quanto a nós que à história, às pessoas e aos fatos, embora se relacione com eles. A memória é um de nossos eventos mais pessoais, embora ela também seja compartilhada e socialmente influenciada.
No filme, Joel tenta apagar suas memórias, mas constrói uma saída para manter Clementine nelas. Talvez aí esteja a ideia do que é o brilho eterno numa mente sem lembranças: diante das memórias que estão sendo eliminadas, Joel constrói um espaço de correspondência amorosa entre ele e sua amada, e isso se torna o brilho eterno.
Uma situação que remete a isso é o de que pessoas têm encontrado fotos de seus parentes falecidos no Google Maps, ali nos recônditos das imagens das ruas. Encontram uma cena congelada que era um evento tão corriqueiro que o carro do Google conseguiu registrar. Você chegou a ver?
Freud disse que “Os histéricos sofrem principalmente de reminiscências”. Eles sofrem pois suas lembranças estão carregadas de afetos negativos insuportáveis, por afetos que não podem ser assumidos pela consciência ou afetos positivos de acontecimentos que se passaram. Ele continua dizendo algo bem interessante sobre isso:
À primeira vista parece extraordinário que fatos experimentados há tanto tempo possam continuar a agir de forma tão intensa – que sua lembrança não esteja sujeita ao processo de desgaste a que, afinal de contas, vemos sucumbirem todas as nossas recordações. Talvez as considerações que se seguem possam tornar isso um pouco mais inteligível. O esmaecimento de uma lembrança ou a perda de seu afeto dependem de vários fatores. O mais importante destes é se houve uma reação energética ao fato capaz de provocar um afeto. Pelo termo “reação” compreendemos aqui toda a classe de reflexos voluntários e involuntários – das lágrimas aos atos de vingança – nos quais, como a experiência nos mostra, os afetos são descarregados. Quando essa reação ocorre em grau suficiente, grande parte do afeto desaparece como resultado. […]. Em outros casos, o próprio falar é o reflexo adequado: quando, por exemplo, essa fala corresponde a um lamento ou é a enunciação de um segredo torturante, por exemplo, uma confissão. Quando não há uma reação desse tipo, seja em ações ou palavras, ou, nos casos mais benignos, por meio de lágrimas, qualquer lembrança do fato preserva sua tonalidade afetiva do início.
As memórias são as marcas da história que vivemos, o registro mais complexo de nossa existência no mundo. É em função da posição que estabelecemos diante delas que construímos nossas relações no presente e nossas expectativas para o futuro. Acreditamos que fazemos isso em função dos fatos que vivemos, e nisso há alguma verdade, mas não fazemos pelos fatos propriamente e sim pelas memórias que guardamos deles, supondo que elas são seus correspondentes exatos.
Na análise estamos sempre lidando com nossas memórias. Ao falarmos delas, colocamos palavras no lugar dos pensamentos e organizamos as associações de formas diferentes daquelas que tínhamos. Assim, o que acontece não é o apagamento das memórias, mas sua reconstrução, deslocando os afetos. Isso faz não com que as esqueçamos, mas com que retiremos o peso afetivo a elas associadas. Portanto, ao invés de forçar o esquecimento, como no caso do procedimento que a Clementine e o Joel passaram, nós recolocamos o peso e a medida da memória no psiquismo. As memórias continuam ali e são livres para irem e voltarem. Ao invés de sofrermos e rejeitá-las, passamos a respeitá-las, pois elas são o registro de nossa existência no mundo.
Será que não é essa a grande dificuldade quanto à memória: ao invés de sofrermos tomando-as como castigos em nossa vida, não deveríamos entendê-las como marcas que nos constituíram e que apontam para o que somos e o que seremos?
Até o próximo!
Abraço!

Observação: Essa publicação compõe o projeto-piloto “Psicologia, Psicanálise e Saúde Aplicadas às Artes”, realizado como uma experiência de Lista de E-mails durante o período de setembro e novembro de 2016. Contém dez publicações: “Viver socialmente sem se apagar”, “O desejo humano envelhece?”, “O Inconsciente, nosso estranho familiar”, “Será que somos todos loucos?”, “Essa família é muito unida e também…“, “O que você procura no amor?”, “Apagar as memórias cura nosso sofrimento?”, “O que você sabe sobre as drogas?”, “O que você faz com a sua preguiça?”, “Será que existe um duplo seu por aí?”.

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