Em agosto desse ano foi lançado o filme brasileiro “Como Nossos Pais”, dirigido por Laís Bodanzki e estrelado por Maria Ribeiro, Clarisse Abujamra e Paulo Vilhena. O filme foi vencedor do Festival de Gramado, muito bem avaliado pela crítica, e a atuação de Maria Ribeiro ficou impecável.
O enredo apresenta um momento importante na vida de Rosa (Maria Ribeiro) que, aos 38 anos, descobre não ser filha de seu “pai”; cansa-se da forma como seguem seu casamento e a criação das filhas; suspeita de que seu marido está lhe traindo; lida com as demandas da filha mais velha entrando na adolescência; enfrenta um conflito de gerações com a mãe por esta lhe tratar agressivamente; não suporta o emprego e quer ser dramaturga.
Bodanzki nos faz acompanhar o cotidiano de Rosa, tão multifacetado quanto o nosso, e um conjunto de dilemas com os quais ela se defronta: Procurar o pai biológico ou não? Contar para o pai de criação que ele não é o pai biológico? Continuar no casamento, transgredi-lo ou viver um relacionamento aberto? Aceitar as demandas insistentes da filha? Afastar-se da mãe pelo segredo escondido por tanto tempo? Manter o atual emprego ou insistir na carreira de dramaturgia?
O que chama a atenção é o questionamento de diferentes padrões sociais sem propor um novo padrão, que é mérito da posição feminista da diretora, algo bem importante e que pode ser traduzido pela valorização da liberdade de escolha e de percurso de mulheres e homens, não sem suas consequências.
Longe de apresentar respostas prontas, Bodanzki nos coloca reflexões a partir da vivência de Rosa, aspecto que evidencia o título do filme e a referência à música de Belchior, magistralmente interpretada por Elis Regina. Com o desenrolar da história fica claro que nenhuma resposta pode ser dada fora do contexto de vida e da vivência subjetiva da personagem, mas deve ser construída em conjunto. Toda predeterminação do que é certo ou errado força padrões de conduta e retira a liberdade pessoal de escolha e de enfrentar as consequências dessa escolha.
Quando seguimos algo predeterminado, nossa responsabilidade se justifica pelo padrão e não por nossa posição pessoal, o famoso “soldado mandado não tem crime”. Por outro lado, isso não impede que, para buscar outras formas de satisfação, encontremos subterfúgios por baixo dos padrões, algo tão problemático quanto seguir as predeterminações à risca. É assim que criamos curtos-circuitos dissimulando nossa vivência com escolhas e consequências banais e naturalizadas ao invés de escolhas e consequências complexas e singulares.
Não há pessoa de quem não tenhamos escutado no consultório um conflito entre escolhas e consequências, ambos influenciados pelas formas de satisfação e pelos padrões sociais. Cobramos de nós mesmos e dos outros a realização de condutas pré-determinadas, propomos aos outros que sigam nosso modo de viver e demandamos a perfeição na vida social. Nesse sentido, a vida de Rosa é a representação de histórias comuns como as nossas, com suas crises e dilemas.
Um caminho que o filme apresenta como possibilidade de solução é o diálogo sobre os problemas, colocar em palavras o que está acontecendo. Somos seres habitantes da linguagem e, consequentemente, por ela habitados, e é por meio dela que podemos encontrar saídas diferenciadas. O que acontece quando situamos o diálogo como guia de nossa interação conosco, com o outro e com a vida, ao invés dos padrões sociais e dos discursos prontos?
Deixar de lado as formas prontas e as escolhas banais posicionando-nos ao lado da complexidade da vida é algo interessante, e isso não será sem a consideração de nossa satisfação, de nosso desejo, do mal-estar envolvido nas escolhas e suas consequências, assim como da linguagem que habitamos e que nos habita. É uma maneira de construir uma vida mais singular ao invés de cair no lugar comum. Nesse caso, não há caminho predeterminado, apenas possibilidades a serem dialogadas e construídas.
O que você acha de reinventar sua vida de maneira singular?
Flávio Mendes,
Psicólogo psicanalista em Vitória/ES.
O constante devir! Amei o texto, e as considerações que você fez do filme. Irei assistir-lo. Muito bom, saber que você voltou com esses textos. Beijo
A ideia do devir cabe muito bem aqui mesmo, Bárbara, principalmente se associada à importância dessa linguagem que se instaura entre nós conosco, com os outros e com o mundo, basicamente tomando tudo como sendo outro de nós, inclusive nós mesmos. “Eu é um outro”, nos disse o poeta Rimbaud.
Decidimos manter a ideia de continuar escrevendo textos para refletir sobre as Artes, pelo valor que as artes tem em colocar nossa própria vida em questão. Que bom que gostou disso!
Obrigado pelo comentário!