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Infográfico - Henrique Carvalho -
viverdeblog.com

Você já deve ter notado as diversas dicas que recebemos diariamente, seja nas timelines do facebook, nas discussões do whatsapp, nos programas de televisão, em outros sites na internet, nas revistas e nos jornais, nas pesquisas em geral, e em tudo quanto é meio de comunicação social. Isto nem deve ser de hoje, mas se prolifera cotidianamente, não? Ao realizar uma busca para conhecer certo assunto você mal clica na pesquisa e já encontra uma lista enorme de dicas, vivências, experiências e tudo mais.
Então você escolhe uma, outra e a seguinte, se vê diante da situação de avaliar quais seriam as mais interessantes, responsáveis, possíveis de serem realizadas e, ainda assim, pode haver um número absurdo de materiais após seu crivo. Finalmente, você decide colocar em prática a combinação de informações e percebe que não é tão simples quanto parece/parecia àquelas pessoas, e que sua vida é diferente daquilo que encontrou – embora com uma quantidade razoável de aspectos parecidos, mas não tantos que possa dizer que é exatamente o que você passa. Apesar disso, você tenta obedecer às dicas a risca e abdica de algumas de suas diferenças para se comparar em igualdade à outra pessoa, situação que não ajuda tanto em relação às regras que você segue na sua vida. Não se trata somente de dicas de “Como fazer isso”, que você encontra em todo canto, mas indicações de atividades, trabalhos, práticas, formas de lidar com praticamente tudo. Alguns exemplos [utilizando o google]:
  • “Como fazer”: Pulseira de elástico, tapioca, molho branco, um currículo, arroz. 
  • “Dicas”: para emagrecer, de maquiagem, de beleza, de fotografia, cartola. 
  • “O que você tem que saber”: antes de morrer, sobre procurar, o mínimo que você tem que saber, músicas que você tem que saber tocar no violão, leis que você tem que saber antes de morrer. 
  • “7 dicas para”: o cabelo crescer mais rápido, para enlouquecer os homens, para conquistar um homem, de fotografia, para abrir uma empresa com pouco dinheiro. 
  • “Qual profissão”: escolher, ganha mais, dá mais dinheiro, combina com meu signo, combina com cada signo. 
  • “O que fazer”: em Vitória, na ceia de Natal, em Guarapari, em Porto Seguro, em Gramado. 
  • “O que dizer”: no amigo secreto, trazendo a arca, em uma entrevista, em uma entrevista de emprego, para alguém especial. 
  • “Como ser feliz”: sozinha, no casamento, na vida, de verdade, no trabalho. 
  • “Como ser triste”: como deixar de ser triste, como parar de ser triste, como ser uma pessoa triste, como dejar de ser triste. 
  • “O sentido da vida é”: ser feliz, estar vivo, que ela termina, assistir séries, pra frente.
Em primeiro lugar, por que será que tanta gente tem divulgado suas experiências? [Mesmo esse site não deixa de ser isso. Não é o que foi falado no primeiro texto (De onde partiu a ideia de construir um site)?]. Em segundo lugar, isso é uma realidade contemporânea ou é algo que sempre existiu mas ficou evidente quando os meios de comunicação digitais foram melhorando? Em terceiro lugar, por que será que, apesar de tantas dicas e informações divulgadas, nem sempre isso é possível de ser realizado da mesma maneira na sua vida? [Note que nesse site o que você menos tem são dicas, mas questões.]
Colocando em miúdos, existe uma mudança impressionante nas interações sociais:
Antes sustentadas em regras sociais rígidas, com poucos personagens-chave que sustentavam determinado funcionamento, com acesso privilegiado aos meios de comunicação, mantendo modelos fixos de organização social, valorizando certos trabalhos, condutas, normativas. Agora tentando se sustentar em regras pluralizadas e/ou estremecidas, com pouca determinação ou proliferação de personagens-chave, abertura de acesso aos meios de comunicação, colocando dificuldade na tentativa da pessoa se estruturar como a favor, contra, parecida, diferente, mais ou menos, ou seja, deixando uma indeterminação ainda mais clara, com uma gama gigantesca de possibilidades de condutas, etc.
Exemplificando
Antes – Família nuclear bem vista, família não nuclear mal vista; empregabilidade de ensino superior valorizadas principalmente as de engenheiro (exatas), médico (saúde) ou advogado (humanas); culpabilidade diante de erros cometidos.
Hoje – Família nuclear questionada, família não nuclear tida como possibilidade; empregabilidade como ensino superior questionadas, com valorização de outras áreas; culpabilidade diante da dificuldade de se arriscar com medo de errar.
Obviamente, há uma parcialidade no que está escrito, pense como quiser, ninguém controla o que você pensa [mas influencia, e muito]. Por outro lado, temos milhões de possibilidades de vida experimentadas por aí e elaboradas como dicas e conteúdos, e temos a sua vida singular, que você tenta ou não encaixar nas medidas que os outros colocam, com perdas e ganhos. O ponto em que culminam as questões levantadas, que não são as únicas, é aquele em que você tinha um modelo hegemônico de identificação social, e agora você tem tantos modelos que é difícil localizar um hegemônico. Antes era fácil ser favorável ou contrário; e agora, diante do que você se posiciona? O que resta dessa operação se não o sofrimento? Você até tenta transformar esses milhões de modelos em um só, dizendo “Todos fazem isso” numa tentativa de abarcar o geral em uma ideia particular, porém isso é um grande problema, chega a ser uma inverdade. Nunca a singularidade foi tão importante. Nunca o ato de se responsabilizar por cada pequena escolha que você realiza foi algo tão fundamental. Isso claramente não exclui seus grupos sociais (família, amigos, conhecidos, contatos), mas também não os coloca na responsabilidade de tomar suas dores como deles, afinal, eles estão provavelmente na mesma situação que você. Um lugar singular em um momento em que muitos dão dicas de si para que os demais possam seguir as dicas uns dos outros e… serem iguais uns aos outros? Ou decidir, na medida de suas possibilidades, como bem utilizar o que há por aqui e por ali para construir uma forma de vida em acordo com o que se está implicado?

Há um ditado popular que diz:
“Soldado mandado não tem crime”

Antigo, não? Do tempo em que se tinha quem mandava e quem obedecia. Um que sabia e outro que não sabia. Um que se situava sobre o poder e outro que estava situado sob o poder. Isso ainda existe? Como você se vira agora que não tem chefe? Ou, como você se vira no caso de ter chefe mas está ciente de que ele não é o dono da verdade?
 Além dessas, há uma reflexão bastante pertinente sobre as dicas, que é a seguinte:
Como é possível que eu, uma pessoa que tem experiências singulares, possa passar dicas a outra pessoa que tem diferentes experiências singulares sem que, no entanto, eu esteja forçando um modo de vida que não é aquele que ela vive aqui, na minha frente?
Essa é uma questão importante para o campo profissional, principalmente na área da saúde.

Na prática psicanalítica, é a partir disso que se entende, por exemplo, o silêncio do psicanalista, que não é um mutismo, mas não deixa de apagar a vivência do psicanalista para que ele não passe por cima da vivência do paciente em análise. Quem busca ajuda em uma psicanálise ou psicoterapia, o faz tentando encontrar uma forma de lidar com os seus problemas, muitas vezes querendo algo já pronto, que possa pegar e realizar. Busca igualdades, padrões, tal como faz em outras interações. No entanto, no tratamento passa a se situar em uma interação que aponta para a sua diferença na relação com o outro, exigindo um caminho original a ser construído. Isso coloca uma folga interessante, porque a pessoa passa a se comparar menos com os outros, passa a seguir menos o que dizem, e começa a escolher um caminho mais singular que dificilmente conseguirá ser seguido pelos outros – que continuam seguindo caminhos já traçados. Aquela ideia do “Soldado mandado não tem crime” serve para tirar sua responsabilidade pelas coisas que você faz, pois a responsabilidade passa a ser de quem mandou fazer. Por outro lado, você pode se tornar responsável pelas coisas que faz, construindo novos caminhos, ou caminhos novos – melhor, não? Antes você era obediente, agora você é implicado. É algo para se pensar. Quando estamos implicados com nossas coisas, nos envergonhamos menos delas, lidamos melhor com a vergonha, ficando livres em nossa ação. É assumir a responsabilidade de que não há modelo algum de casamento, família, sociedade, sexualidade que dê conta da vida de alguém e que a vida pode ser mais interessante assim.
São decisões, contudo.

“Marcha soldado, cabeça de papel.
Quem não marchar direito…”
Até a próxima. Abraço!

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