“Dexter” com a Placa Mágica
Há alguns dias estava passando no cinema o filme “Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba” que, para quem não conhece o enredo geral, trata-se da história do novo vigia do Museu de História Natural de Nova York, que descobre que durante a noite os bonecos de cera ganham vida devido a uma placa mágica egípcia, a placa dourada de Ahkmenrah. Obviamente isso produz uma série de confusões e assim segue nos três filmes. Nesse terceiro, a placa dourada está perdendo seu poder e todos os bonecos começam a sofrer “avarias” em seu funcionamento, como autômatos perdendo a vida. Os personagens principais seguem para um novo Museu onde estão os restos mortais dos pais de Ahkmenrah, com o intuito de descobrir o segredo da placa que dá vida aos seres inanimados.
Há alguns dias estava passando no cinema o filme “Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba” que, para quem não conhece o enredo geral, trata-se da história do novo vigia do Museu de História Natural de Nova York, que descobre que durante a noite os bonecos de cera ganham vida devido a uma placa mágica egípcia, a placa dourada de Ahkmenrah. Obviamente isso produz uma série de confusões e assim segue nos três filmes. Nesse terceiro, a placa dourada está perdendo seu poder e todos os bonecos começam a sofrer “avarias” em seu funcionamento, como autômatos perdendo a vida. Os personagens principais seguem para um novo Museu onde estão os restos mortais dos pais de Ahkmenrah, com o intuito de descobrir o segredo da placa que dá vida aos seres inanimados. Como a placa está apresentando problemas, durante todo o filme veem-se as falhas nos bonecos de cera, que ficam estagnados, retornam à rigidez da cera, apresentam tiques etc. Assim, quem assiste ao filme acompanha os diversos momentos nos quais os personagens ficam caindo e levantando, parando e seguindo, perdendo o movimento de alguma parte do corpo, e assim por diante. A possibilidade de perder a vida, de deixar de viver, está presente o tempo todo.
Mais que isso, algo que realmente chama a atenção no filme é que ele foi o último em que houve a participação do ator Robbin Williams, falecido em 11 de agosto de 2014. Isso torna o filme especial por ser o derradeiro filme do ator e por ter um enredo que trata da possibilidade da morte como algo real. No final, inclusive, há um momento emocionante de interação do personagem do ator (presidente Teddy Roosevelt) com o vigia Larry Daley (Ben Stiller). Enfim, quem quiser ver…
Robbin Williams foi o ator de filmes incríveis, alguns dos quais inesquecíveis: Sociedade dos Poetas Mortos, A Volta do Capitão Gancho, Uma Babá Quase Perfeita, Jumanji, Flubber: Uma Invenção Desmiolada, Patch Adams: O Amor é Contagioso, Inteligência Artificial, O Homem Bicentenário.
Um grande comediante, Robbin Williams. Um ator formidável. Falecido…
Isso faz “Uma Noite no Museu 3” ter um caráter específico, pelas cenas de queda e retorno, de perda dos movimentos, de confusão na pronúncia da língua. Era pra ser uma comédia, mas foi um filme diferente.
… por suicídio.
Há um conjunto de coisas que passam na cabeça da gente enquanto vivemos nossas situações cotidianas. Na hora do filme, o que vinha à cabeça era: o suicídio perpetrado pelo ator, as tentativas de suicídio de pacientes [que já chegaram com essa questão], a tese sociológica de Émile Durkheim (O Suicídio: Estudo de Sociologia), os estudos do amigo Tiago Zortea sobre a temática (Comportamento e Sociedade – Suicídio), o romance de Goethe (Os Sofrimentos do Jovem Werther), as questões sobre a passagem ao ato, decisão, responsabilidade e os movimentos de vida e morte discutidos em psicanálise etc. O Suicídio pode ser entendido por várias perspectivas. Etimologicamente, o radical sui significa si mesmo, e o complemento -caedes, ação de matar. Assim, Suicídio é a ação de matar a si mesmo. Em Durkheim, uma definição mais precisa é a de que:
“Chama-se suicídio todo caso de morte que resulta direta ou indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima e que ela sabia que produziria esse resultado.”. (Émile Durkheim, O Suicídio: Estudo de Sociologia, Ed. Martins Fontes, 2011, p. 14).
Há dois componentes importantes aí:
1) um ato realizado pela própria vítima;
2) um saber pré-concebido sobre o resultado produzido.
O ato realizado é, de certa forma, o mais violento que alguém pode realizar, principalmente porque seu resultado não dá possibilidade alguma de retorno, de voltar atrás. É uma passagem que não viabiliza nem a chance de ver seus resultados. Já o saber pré-concebido nunca poderá ser recolocado após a experiência, ou seja, não poderá ser elaborado posteriormente, então não é um saber que corresponda à vivência do ato, mas somente à suposição dessa vivência. Assim, pensando dessa forma, o ato de suicídio é um ato cego por natureza, um tiro no escuro, uma caminhada unilateral com viseira fechada até na frente. Antes dele, o que se tem são ideias do que acontecerá depois, mas o que vem depois deixa de pertencer à pessoa. Uma pergunta sobre isso é:
Por que alguém, em sua particularidade, decide por realizar um ato que ela própria não conseguirá desfrutar dos resultados?
Supõe-se sobre o que acontecerá com a família, com os amigos, com a vida, com o mundo. Supõe-se que tudo ficará melhor sem a presença particular dessa pessoa. Supõe-se que, mesmo que haja sofrimento, em pouco tempo tudo ficará bem e a pessoa será esquecida. Supõe-se que haverá festas e regozijos de felicidade porque a presença da pessoa não estará mais ali. Supõe-se que o mundo é grande demais para que essa vida faça alguma diferença. Supõe-se que não haverá mais sofrimento. E assim por diante. De qualquer forma, são várias suposições do que acontecerá com os outros e poucas suposições do que acontecerá consigo. Como é possível então alguém realizar algo que ela não faça ideia do que acontecerá consigo própria mas suponha tudo que acontecerá com os outros? Não seria exatamente isso a presença monstruosa do mundo na cabeça de alguém, em sua vivência própria? Não seria esse um dos momentos em que alguém se sente não pertencente ao mundo, pois está submetida(o) à própria existência dele, sufocada(o) [talvez], com um apagamento de sua particularidade e um vazio em sua subjetividade? A decisão pelo suicídio é um ato de muita força própria contra si, é uma decisão dificílima. Decidir-se por largar tudo que está vivo, tudo que está funcionando, e partir ao encontro do inanimado não é coisa simples. A vida realmente não é fácil… Nessas horas diante do sofrimento é que fica essa questão de como é difícil lidar com a(s) crise(s), e como na crise o que há é uma grande luta com/contra a vontade de morte, de aniquilação de si.
Por outro lado, por mais que a decisão pelo suicídio seja um ato de força própria, uma tentativa de último ato, há um ato ainda mais forte e poderoso, inegavelmente. Você há de entender.
Tão difícil quanto decidir por matar a si mesma(o), por atacar a si e se retirar da ordem da vida, deixando tudo aí girando – tão difícil no sentido da violência de escolher pela morte – é, certamente, decidir por continuar viva(o). Optar pela vida nessa hora é decidir agir contra a vontade de morte, uma vontade que está ali, mais determinada que nunca. Determinar-se a continuar viva(o) apesar de todas as dificuldades da vida, ainda assim, é tão difícil quanto decidir pela morte, mas ao contrário do suicídio, é um ato que permite saber sobre seus resultados. Além disso, é a chance que se tem de conseguir trilhar um caminho novo usufruindo daquilo que se construiu a partir de seu ato de estar aí vivendo. Inegavelmente, é mais fácil sofrer que não sofrer, que se permitir não sofrer, que lutar para ficar bem com as coisas, mas ninguém precisa passar pelo sofrimento sozinha(o), sem apoio, convivência, contato. Considerando que é possível dizer algo a respeito de tudo isso, talvez uma das únicas coisas que se poderia dizer seria: caso você tenha vontade de se matar, antes mesmo de tentar realizar algo contra si mesma(o), encontre alguém que possa verdadeiramente te escutar nesse sofrimento duro, denso, confuso e destrutivo que você sente.
Não é nem um dica, é um pedido.
Lembra-se da Placa Mágica Dourada? Ela voltou a funcionar quando posta em contato com o que a construiu e isso resolveu a situação no filme [inclusive, se você observar bem na foto lá em cima, verá que a placa é marcada com hieróglifos, que não são nada mais que uma linguagem]. Essa história faz lembrar do mito judaico do Golem, um ser artificial trazido à vida a partir de operações mágicas.
A Palavra e o Golem
Uma das formas de dar vida ao Golem é colocando a palavra Emet, verdade (hebraico), embaixo de sua língua. Interessante isso: colocar uma palavra, e exatamente a palavra verdade embaixo da língua, como um remédio para deixar dissolver e fazer tudo funcionar. Quando Emet, verdade, tem seu primeiro “E” retirado, vira Met, morto (hebraico), e a magia que existe sobre o Golem é desfeita. Assim, o que permite ao Golem interagir é aquilo que o coloca entre a verdade e a morte, entre a Verdade, que dá vida, e a Morte. Seria possível dizer que ao se fazer uma determinada perda na Verdade, a Morte se coloca como fato?
Ao contrário, se a presença da Morte está ali situada, não é por faltar à Verdade uma letra que produz a vida, e que o que faz a diferença entre a Verdade e a Morte é o movimento de uma letra a mais ou a menos abaixo da língua? [Considerando aqui toda a importância da linguagem e uma discussão sobre como ela viabiliza a interação com o outro]. Às vezes não é exatamente isso o que falta? Então, reiterando o que foi dito antes: Se você estiver passando por alguma dificuldade que não consegue lidar e pensa em realizar algo contra si mesma(o), procure alguém que possa verdadeiramente te escutar nesse sofrimento que você passa. Essa é uma decisão incrível, porque te dá a chance de colocar uma letra a mais para a Verdade da vida ao invés de ficar presa(o) numa letra a menos da Morte. É outra escolha, outra possibilidade, tão forte quanto a primeira, com uma grande diferença: 1) Enquanto ato, também é agressiva e produzirá efeitos que você poderá experimentar; 2) Enquanto saber, é a chance que você tem de construir algo que possa usufruir em seguida, e bem. Esse “falar a alguém que realmente te escute” não é um preciosismo de que é algo legal. É porque, quando você fala para alguém que realmente te escuta, você consegue fazer associações significativas com suas palavras, e aquilo que era antes uma palavra de Morte ganha uma articulação nova e intrincada e pode compor finalmente uma palavra de Verdade… com/em sua Vida.
Tendo ou não possibilidades apesar de tudo, ainda assim, é melhor escolher pela vida. Essa continua sendo a decisão mais acertada que alguém pode tomar.
Obs: Se você estiver passando por dificuldades, procure: Profissionais da Unidade Básica de Saúde (UBS) do seu bairro; Profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou do Centro de Referência da Assistência Social (CRAS); Centro de Valorização da Vida (CVV) ou Como Vai Você?; Alguém em quem você confie realmente; Alguém.
Obs²: Os fatos de tratar os bonecos de cera como autômatos, de comparar essa situação à mitologia do Golem com a palavra mágica e de trazer essas questões para discutir a questão da vida e da morte são escolhas específicas aqui. O ponto de ligação é a do autômato/automatismo. Mas isso é outra história.
Obs³: “Oh Captain! My Captain!” Nunca será esquecido, não pelo seu fim trágico, mas pelo seu percurso em vida! [É isso o que tento fazer com que entendam… é o percurso! Façam um bom percurso! Não parem de percursar!] Até mais. Forte abraço!
Reflexão bacana, Flávio!
Obrigado, Cris! Que bom que tem acompanhado as publicações.
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Abraço!