Entre os meses de julho e outubro de 2017 a exposição “O Véu do Real”, da artista Re Henri, está apresentada na Galeria Homero Massena, no Centro da cidade de Vitória/ES. Acompanhamos o trabalho da artista desde o começo, tivemos a chance de dialogar e refletir sobre sua produção, e nos sentimos honrados em receber o convite de escrever um texto para o catálogo da obra – uma das unidades está no consultório, para quem tiver interesse. Informamos que a obra continua em exposição até o dia 07/10/17, de segunda à sexta, de 09h às 18h, e no sábado de 13h às 17h, com entrada franca. A seguir apresentamos o texto que escrevemos para o catálogo.
Flávio Mendes,
Psicólogo psicanalista em Vitória/ES.
“Representar o Irrepresentável, o Véu do Real”
Ao entrar em contato com o trabalho da artista Re Henri, observando atentamente sua instalação com os diferentes “Módulos de Ver”, a primeira pergunta que me fiz foi: “O que está em questão são as fotografias ou o processo de refleti-las, de reapresentá-las inúmeras vezes como uma tentativa de capturar a essência do funcionamento da imagem e da representação?”. A cada novo “Módulo de Ver” foi possível pensar no relançamento da imagem em diferentes posições e tamanhos produzindo múltiplas camadas, como se estivéssemos dentro do laboratório de uma pesquisadora decidida a descobrir o segredo mesmo das imagens.
Lancei-me, então, uma segunda pergunta: “Pode a representação realmente representar o representado?”, ou seja, seria possível tomar as fotografias no lugar de seus referentes? Lembro-me de que a artista encontrou uma quantidade enorme dessas fotografias antigas em mercados de pulgas, o que lhe fez pensar que sem o representado as imagens perdiam seu valor.
Não me parece, contudo, impossível que tomemos a representação pelo representado ou nos acostumemos com isto – não sem alguma reserva ou incômodo –, quando se entende que o representante assume o lugar da coisa que ele representa. Muitas vezes, falamos de uma infinidade de objetos, dentre pessoas, lugares e coisas, sem tê-los sequer conhecido, muitos dos quais inexistentes, como os seres fantásticos.
Entretanto, quando penso mais profundamente no trabalho de Re Henri a respeito do “Véu do Real”, título que faz pensar que estamos flutuando no véu de camadas construídas sobre o Real, a pergunta derradeira que me faço, e que suponho ter sustentado o trabalho da artista, é: “Pode a representação representar o irrepresentável?”.
Afinal, o que é o irrepresentável? Tateio aqui o que chamamos de Real em Psicanálise a partir da perspectiva de Jacques Lacan. O Real como irrepresentável é a morte, não o morto; é a perda enquanto vivência que nos arranca algo que não capturamos mas experimentamos; é a angústia, não enquanto sintoma, mas percepção da abertura invisível no estômago; é a ausência de relação que torne duas pessoas uma, como o que supomos no amor. O Real é o que está fora da representação, é o ex-sistente, ou seja, aquilo que está fora da existência simbólica e imaginária.
Seria possível, com a lente da câmera, essa escrita em luz, capturar a experiência mais profunda, crua e densa de uma grande perda, a matéria escura que se manifesta como ausência de quem se foi? Não se trata de fotografar alguém com suas reações corporais, tampouco os acontecimentos de sua vida, mas de foto-grafar esse elemento evanescente que no contexto da clínica tentamos bordear por meio das palavras, outra forma de representação, embora ele seja irrepresentável.
O laboratório que a amiga e artista Re Henri construiu, esta instalação é, para mim, a tentativa mesma de pôr a refletir sobre este aspecto fundamental da representação, pensando qual é o limite que esta alcança quando se trata de apreender os “objetos” não representáveis da experiência humana. Talvez seja com limites o que estamos lidando ao tentarmos obter algo contingencial daquilo que é impossível.