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Entre fevereiro e setembro de 2018 realizamos o curso “A Clínica, A Psicanálise: Antes, Ontem, Hoje” para refletir sobre a experiência e a prática da clínica a partir do atravessamento das propostas psicanalíticas. Este foi um curso extenso com 12 encontros que envolveram uma caminhada pelos campos da clínica e da psicanálise. Abaixo disponibilizamos os textos de chamada para cada encontro que tateiam o que debatemos nos dias propostos. Consideramos este curso como sendo um per-curso significativo em nossa experiência, que desdobrou inúmeros frutos para pensar e intervir em nosso trabalho.

Flávio Mendes,
psicólogo psicanalista em Vitória/ES.

A Clínica, A Psicanálise: Antes, Ontem, Hoje

Apresentação

Acredito que todo estudante ou profissional de Psicologia já se perguntou sobre qual abordagem escolher para sua prática. Acho isso compreensível pois as abordagens se relacionam fortemente à clínica, kliniké, ato de inclinar-se sobre o paciente, que, eticamente, nos convoca a pensar como abordar o paciente para alcançarmos algo dessa/nessa inclinação.

Quando propus o título “A Clínica, A Psicanálise: Antes, Ontem, Hoje”, pensei que a Clínica suscita questões importantes, tais como: O que acontece nessa relação entre duas pessoas?; Como abordar?; Por que abordar dessa maneira?. Além dessas, é importante lembrar que a Clínica é antiga, tendo seus primórdios na Medicina, e a Psicologia tem construído sua(s) clínica(s) há pouco mais de um século, o que nos permite entender que existe um Antes, um Ontem, um Hoje que nos convoca a pensar.

Nesse curso, que acontecerá em 12 encontros, pretendo refletir sobre o campo da Clínica, abordando-o com o atravessamento da Psicanálise, ou seja, atravessar a Psicanálise para abordar a reflexão sobre a Clínica. É por isso que entendo-o como um per-curso, um trabalho a ser realizado a cada encontro. Convido você a participar comigo!

1º Encontro (24/02/18): O que faz um psicanalista e com o que ele trabalha?

O termo “Psicologia Clínica” foi proposto em meados de 1890 por psicólogos que trabalhavam com Wundt. Com uma dívida com a Medicina, a Psicologia Clínica se construiu como uma prática privada, voltada para a resolução de problemas de cunho pessoal/individual. De outro lado, recebeu influências da Psicanálise, que partiu da escuta médico-clínica de pacientes histéricas e desenvolveu um arcabouço teórico-metodológico para compreender e tratar sintomas neuróticos.

Com exceção do Behaviorismo (Watson/Skinner), as abordagens clássicas têm algum vínculo com a Psicanálise. Gestalt (Fritz), TCC (Beck), Psicologia Analítica (Jung), em algum momento beberam das fontes psicanalíticas, o que mostra o lugar histórico-conceitual da Psicanálise em relação à Clínica.

Nesse primeiro encontro do Curso “A Clínica, A Psicanálise”, pretendo refletir sobre: o que é a Clínica e sua história entre Medicina e Psicologia; o lugar da Psicanálise e o Psicanalista; com o que se trabalha; e o primeiro contato com o paciente. “Há processos inconscientes”, nenhum de nós dúvida disso. Entretanto, o Inconsciente psicanalítico é diferente da genética, de Deus, do cérebro, do comportamento modelado pelas contingências, do fundo perceptivo, das crenças centrais, dos arquétipos. Além disso: O Tratamento começa com a ligação telefônica? Rapport é Transferência? Faço contrato verbal ou por escrito?

O inconsciente é um fato ou uma hipótese?

2º Encontro (10/03/18): “O amoralismo e a ética do psicanalista”

Heitor de Macedo (Cartas a uma jovem psicanalista) conta dois casos atendidos por Françoise Dolto, o caso Dominique e o da jovem esquizofrênica. A partir da leitura, algumas questões emergiram: A ética é um “código” de conduta ou um posicionamento? É possível uma ética sem analisar-se? Tomar a teoria como padrão de conduta é ético? A ética se manifesta no universal e/ou no singular? De que forma os conceitos operatórios/clínicos de contratransferência e de desejo do analista nos auxiliam a pensar a ética na clínica? E, também, o inumano como parte do humano, a tragédia como aspecto incurável da experiência humana.

3º Encontro (24/03/18): Da Poltrona ao Divã, o que se constrói numa análise?

Toda Psicoterapia se aproxima da Pedagogia e do Coaching, menos por dependência e mais pelo aspecto de “conduzir/acompanhar para”, notável na prática daquela e na etimologia destas (pedagogia: conduzir/acompanhar a criança, prática feita pelos escravos na Grécia Antiga; Coaching: cocheiro que dirigia o coche, carruagem, e treinava os cavalos na Idade Média; tutor, treinador). Recentemente o psicanalista Christian Dunker escreveu sobre o tema (goo.gl/TDM2yW), de quem apreendo que as diferenças estão no envolvimento, na avaliação da demanda e na consideração da cura.

De certo modo, ensinamos algo ao paciente, conduzimo-lo por certas vias, manejamos a relação construída para que ele possa “insira aqui qualquer resultado de psicoterapia”. Mesmo as propostas psicanalíticas de “tratamento de ensaio” (Freud) e de “entrevistas preliminares” (Lacan), que visam o diagnóstico e a transferência, também preparam e conduzem a sensibilidade e o envolvimento do paciente para com seus processos inconscientes, a função “sinto-mal” falada por Antonio Quinet.

É após este momento de análise e preparação que o psicanalista pode vir a convidar o paciente ao Divã, reposicionamento o modo de operação da análise. Isso não tem valor de mérito ou ganho mas, sim, de perda – do olhar, da presença e de alguma esperança. É possível uma análise na Poltrona, sem dúvidas. Entretanto, o Divã tem uma relação mais radical com a noção ética da cura em Psicanálise.

Se toda Psicoterapia se aproxima da Pedagogia e do Coaching – o que não é em si problema algum -, o Psicanalista tenta reduzir em sua prática qualquer treino e condução a partir de valores (amorosos, sociais ou cientificamente aprovados e almejados). Ao invés, visa construir um caminho desconhecido até para si, insuportável de certa forma, linguageiro, numa prática de escuta e de intervenção sobre as palavras e letras do discurso do paciente, tal como escutar o som de um “u” onde se falaria um “a”, produzindo “couch” (sofá, divã) onde havia “coach” (treinador, instrutor), e colocando certa distância entre ele e o paciente, suficiente para que este se sinta respeitado e acolhido em seus acontecimentos vitais, mas, também, solitário e responsável por eles, e que se escute singularmente.

4º Encontro (07/04/18): A transferência, móbil da análise

Seguimos para um novo encontro no curso. No último, falamos sobre a poltrona e o divã, tema que, inevitavelmente, nos colocava no trilho de pensar a transferência. Resgatando uma frase do psicanalista Antonio Quinet, “O divã é um leito de fazer amor – amor de transferência. Leito do qual toda satisfação é excluída.”. Pensando no saber e nos conceitos psicanalíticos, fica evidente como eles se articulam como uma rede ou trama conceitual em que um precisa do outro para servir à compreensão dos processos.

O conceito de Transferência não pode ser traduzido por rapport ou por vínculo, pois, desde Freud, ela tem no mínimo duas características: permite o caminhar da análise; dificulta o caminhar da análise (clássica postura freudiana de inserir o antagonismo em seus conceitos).

Quando penso na clínica, lembro-me de que diferentes fenômenos são inseridos na compreensão do que é a transferência: a vergonha de falar algo ao analista; sonhar com o analista; modificar a forma de falar pensando no analista; o silêncio; presentear o analista; querer ser amado; se irritar com algo; ficar enamorado etc. Para além de um vínculo, a transferência é uma forma de amor. Daí Freud ter concluído que a Psicanálise é uma cura pelo amor, amor de transferência. Mas e o Sujeito Suposto Saber, nomeado por Lacan?

5º encontro (21/04/18): Psicose – isso diante do qual não devemos recuar

Caminhamos para o 5º encontro do Curso, com o tema “A Psicose – isso diante do qual não devemos recuar”. Nesse momento do percurso, o tema da Psicose surge menos como a busca de uma teoria que a explique, e mais como a contemplação desse acontecimento humano que questiona a própria experiência humana com a realidade.

Existem várias explicações para as Psicoses, termo nosográfico antigo que tenta abarcar as Loucuras. Por outro lado, sabemos que a Loucura está para todas e todos. Lendo Heitor de Macedo e outros autores, o que parece é que, em termos de Psicose, falamos de uma experiência de sofrimento que está além do sofrimento neurótico por ser de outra natureza.

Gostaria de levantar algumas reflexões, não para dizer como explicar definitivamente ou curar o que chamamos de Psicose, mas para refletir sobre essa experiência do humano com a realidade. Retomando Foucault, a Loucura é quem tem a verdade sobre a Psicologia, não o contrário. Acho que o termo singularidade é o que de melhor me sirvo para pensar em algo cujo tratamento não pode ser transformado em modelo, não pode ser repetido, mas colhido em sua diferença – algo que nos questiona sobre os demais tratamentos.

Fica o convite para esse que me parece o tema mais sensível até então. Trarei algumas reflexões sobre as estruturas clínicas em Psicanálise, o caso Ana K, de Heitor de Macedo, também do livro “Investigando Psicanaliticamente as Psicoses”, de Decio Tenenbaum, e dois elementos que tenho pensado durante os estudos, que são a função do Sancho Pança em relação a Dom Quixote, e o Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã.

6º encontro (05/05/18): Os traumas na análise

Por uma coincidência bastante valiosa, após termos discutido sobre a Psicose, que nos mobilizou no sentido de pensarmos a constituição psíquica a partir da Psicanálise, e a diferença que se propõe no campo para compreender o que constitui a psicose ou a neurose no contexto familiar de relação do sujeito com o Outro, caminhamos agora para uma reflexão sobre o trauma na análise, que nos fará atualizar a reflexão do último encontro para pensar os elementos mais profundos e pouco marcados pela linguagem na relação desse sujeito com o Outro. Esses elementos retornam no contexto da análise não como lembranças, mas como experiências atuais e repetidas na transferência com o analista.

Vamos percebendo, com essa caminhada, que os conceitos psicanalíticos de fato constituem uma trama, e que é impossível compreender um sem que os demais sejam convidados a participarem dessa rede. O enquadre, a ética, o setting, a transferência, a constituição psíquica e as estruturas clínicas, assim como o trauma vão constituindo uma configuração importante para pensar o trabalho do psicanalista no contexto da Clínica.

Considerando algumas perguntas que o Heitor de Macedo se faz, relanço aqui: “Como pensar o trama, suas causas e seus efeitos? Como acolhê-lo na transferência? Quais são as condições de sua elaboração, as possibilidades de liberação para um sujeito aprisionado em repetições mortíferas que parecem não estar apoiadas em nada?”.

7º encontro (09/06/18): O psicanalista leva o humor a sério

Este será um recomeço do curso. Até então refletimos sobre como um psicanalista trabalha, a ética, o enquadre, a poltrona e o divã, a transferência, a constituição subjetiva e a psicose, e os traumas – voltarei a esses aspectos futuramente.

Refletindo sobre o tema do humor, tendo por base Freud, Ferenczi e Lacan, esse pode ser considerado pela via do cômico, do riso e do chiste, e um aspecto importante na realização da clínica psicanalítica tanto como manifestação do inconsciente, quanto como ato do psicanalista, por produzir efeitos significativos no paciente e em sua relação com o outro. Essa reflexão me fez pensar na apresentação que fiz sobre a Depressão a partir da Escuta da Psicanálise, considerando o lugar da Psicanálise diante do sofrente no mundo, das diferentes formas de tratamento e do humor nesses processos (diferenças entre abordagens teóricas e suas práticas; a psicanálise em relação à psiquiatria; as práticas baseadas em evidências; farmacogenética; a depressão como transtorno mais prevalente no atual contexto que vivemos; a psicose como desafio maior aos profissionais).

Neste 7º encontro, relançando a proposta do curso, caminharei pensando um conjunto de novas questões a partir da relação entre Psicanálise, Ciência, Verdade e Evidências, começando pelo tema do humor e do que a Psicanálise propõe enquanto tratamento para o sofrente, para, nos encontros posteriores, seguir com os temas da angústia, perversão e psicossomática, o pagamento na análise, e a transferência e a amizade.

8º encontro (17/06/18): Angustia – afeto que não engana

O pretexto (pré-texto) para falar desse tema parte da obra “Cartas a uma jovem psicanalista” do psicanalista Heitor de Macedo, que faz uma reflexão valiosa sobre o afeto na clínica, especificando a Angústia como um tema fundamental no campo psicanalítico. Um trecho desse texto já é suficiente para dar o mote do encontro. Ele diz: “Eis, portanto, o que constitui para mim a revolução freudiana: o enraizamento do pensamento no desejo sexual, a promoção do conflito como central na realidade humana e a Angústia como paradigma de todos os afetos”.

A Angústia é a bússola do psicanalista na realização de sua clínica, servindo para apreender as coordenadas subjetivas do paciente diante de seu sofrimento e conduzir o caminho do tratamento. Diferentemente dessa concepção, no campo científico o termo Angústia tende a ser menos considerado por ser vago, sendo sobreposto pelo termo “distresse”, que tem sua relação com os estudos sobre “estresse”. Além desse campo, também encontrei reflexões sobre a Angústia em Heidegger e Kierkegaard, na filosofia. Entender essas diferenças me parece fundamental para nortear algumas reviravoltas nos estudos.

De outro lado, para apreender a formulação de Lacan de que “a angústia é o afeto que não engana” – dando sequência à discussão sobre Psicanálise e Ciência – é preciso estar com um pé dentro da Psicanálise e refletir sobre o engano do sujeito e o lugar da Angústia como abertura que permite o aparecimento de sua verdade, em contraposição ao excesso de saber que ele consome (con-some).

Nesse encontro, então, tendo por base a perspectiva psicanalítica e os conteúdos de diferentes áreas, pretendo refletir sobre o tema da Angústia no contexto da Clínica, pondo em questão as diferentes compreensões e situando a posição da Psicanálise frente a esse afeto.

9º Encontro (30/06/18): Perversão e Psicossomática – reflexões pertinentes

No 9º encontro debateremos sobre dois temas que inicialmente parecem díspares mas se aproximam com as reflexões sobre o psiquismo na teoria psicanalítica. Nesta carta que o psicanalista Heitor de Macedo troca com uma jovem psicanalista (Carta 17), ele fala sobre a teoria de Joyce McDougall, que entende a perversão e a somatização como formas de “rejeição” da experiência traumática para fora do psiquismo. Partirei desses apontamentos, trazendo também Freud e Lacan, para pensar algumas diferenças pertinentes: organização defensiva x estrutura psíquica; neurose x psicose x perversão; corpo biológico x corpo real x corpo imaginário; sintoma-metáfora (representado no psiquismo) x sintoma-reflexo do corpo mudo. Será possível retomarmos as discussões sobre a angústia e os afetos, os traumas e a constituição psíquica para avançarmos com a teorização.

10º Encontro (11/08/18): Com o que se paga uma análise? Com dinheiro, (h)ora!, e algo mais.

Após o recesso durante o mês de julho, retomo o curso “A Clínica, A Psicanálise”, caminhando para os dois últimos encontros. No penúltimo, o 10º encontro, trabalharei o tema “Com o que se paga uma análise?”, tema este que articula diferentes aspectos, pois na clínica psicanalítica o dinheiro não é apenas moeda de troca por um serviço prestado, mas parte integrante do funcionamento do tratamento, ou seja, o manejo do dinheiro envolve a consideração sobre situação financeira, constituição psíquica, transferência, resistência etc. Uma análise é cara, não há dúvidas, mas ela é cara em relação ao que? Este é o mote que levanto a partir da leitura do capítulo 18 do livro “Cartas a uma jovem psicanalista”, do Heitor de Macedo. Lhe convido para participar conosco!

11º Encontro (18/08/18): A transferência se transforma em amizade?

No último encontro do curso “A Clínica, A Psicanálise”, levanto essa questão a partir da leitura do capítulo 19 do livro “Cartas a uma jovem psicanalista”, de Heitor de Macedo. Afinal, o que é a transferência e o que faz com que uma pessoa permaneça fazendo análise com uma mesma pessoa anos a fio? Sem dúvidas falamos da qualidade do vínculo, sobre isso que faz com que duas pessoas estejam de algum modo vinculadas, e o conceito da transferência tenta abarcar essa relação, mas neste capítulo, refletindo sobre o assunto, Heitor de Macedo levanta o tema da amizade como um ponto importante a se considerar, o que não significa que seja, como se espera de uma amizade, uma relação simétrica e com reciprocidade. Há, ao contrário, assimetria nessa relação, e sobre isso refletirei neste último encontro encerrando as atividades do curso. Lhe convido a estar conosco e fazer um primeiro encerramento dessa caminhada.

12º Encontro (01/09/18): Considerações e Desdobres

No último encontro do curso fizemos a leitura do texto “O que é a Psicanálise?” (estará disponível posteriormente no site) e dialogamos sobre o que foi a experiência com o percurso que realizamos.

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