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O trabalho no consultório de psicologia e de psicanálise se compõe com os movimentos dos pacientes construindo seus percursos ao longo dos meses e anos. Juntamente com as sessões realizadas, que funcionam no caso a caso e exigem do profissional um cuidado com sua formação (no caso da psicanálise, com o tripé composto pela análise pessoal, supervisões e estudos), o trabalho envolve outros aspectos como o empreendedorismo e a gestão. Abarcando esses aspectos, esse texto é um relatório sobre os movimentos no consultório em 2017 e 2018, que permitem conhecer e entender melhor seu funcionamento.

A ideia de chamar “movimentos do consultório” está relacionada a haver poucos aspectos estanques no trabalho, enquanto, de outro lado, existem muitos aspectos sempre em percurso ao longo do tempo, fluxos que, eventualmente, se consegue transformar em dados objetivos. O material, assim, é tanto uma apresentação desses movimentos quanto uma forma de informar e agradecer ao público que procura por tratamento. Para proteger os dados, consequentemente, não foram descritos os valores absolutos (quantidades), somente os relativos (percentagens), quando necessários.

Quantidade de Pessoas que Buscaram Atendimento

Ao se comparar a busca de tratamento em 2017 e 2018, gráfico 1, é possível notar que em 2018 houve mais homogeneidade das buscas ao longo dos meses, enquanto em 2017 houve picos e quedas de buscas mês a mês. Comparando a quantidade de pessoas que foram atendidos, houve um aumento de 19% em 2018 em relação a 2017, que inclui tanto pacientes que continuaram dos anos anteriores quanto pessoas que vieram pela primeira vez em 2018.

Quando comparadas as linhas de cada ano, fica claro como nos meses de março e de novembro, em ambos os anos, há uma grande quantidade de buscas por tratamento, diferentemente das variações dos demais meses, provavelmente devido ao período pós-carnaval e ao encerramento das atividades anuais.

Quantidade de Sessões Realizadas

Em se tratando da quantidade de sessões realizados ao longo do ano, gráfico 2, pode-se perceber que houve significativamente mais atendimentos em 2018 que em 2017, o que estatisticamente corresponde a um aumento de 35% na quantidade de sessões realizadas em 2018 em relação a 2017.

Além disso, observando o gráfico, que inclui pessoas que buscam tratamento pela primeira vez e pacientes que estão retornando, nota-se que:

1) Em ambos os anos as linhas de progressão dos meses cresceram gradativamente, aumentando bruscamente de fevereiro para março e alcançando em novembro a maior quantidade de atendimentos;

2) As quedas abruptas no número de atendimentos aparecem em meses com acontecimentos que inviabilizaram o trabalho como, por exemplo: de janeiro para fevereiro de 2017 não houve crescimento devido à greve dos policiais que ocorreu no Espírito Santo, criando um clima de tensão social; em agosto de 2017 os atendimentos foram parados devido a um problema pessoal de urgência; em setembro de 2018, na véspera das eleições, muitos pacientes debandaram dos atendimentos devido ao clima de tensão instaurado pelo processo político; em dezembro há o encerramento dos atendimentos na terceira semana, reduzindo o número de atendimentos realizados.

Assim, não há dúvidas de que o trabalho é dependente dos acontecimentos sociais, que impactam consideravelmente na vida dos pacientes e do profissional.

Percentagem de Mulheres e de Homens Atendidas(os)

Quando comparadas a percentagem de mulheres e de homens que realizaram tratamento em 2017 e 2018, gráfico 3, um dado que chama atenção é o suave aumento de buscas de tratamento por homens, numa proporção que seria de 7 mulheres e 3 homens a cada dez pessoas em 2017 para 6 mulheres e 4 homens a cada dez pessoas em 2018.

Além dessa diferença entre o público feminino e masculino, outro dado significativo, embora não tenha o percentual, é a faixa etária de quem tem procurado os atendimentos, que no geral está entre 18 e 45 anos de idade, com mais especificidade da população entre 25 e 35 anos.

Percentagem de Pessoas Atendidas por Número de Sessões Realizadas

O último gráfico, 4, contém a percentagem de pessoas que foram atendidas ao longo dos anos de 2017 e 2018 em relação ao número de sessões feitas. Considerando que no consultório são realizadas principalmente sessões semanais, o número de sessões foi contado da seguinte forma no eixo horizontal do gráfico: “1s” refere-se a pessoas que foram somente a 1 sessão no ano; “2-4s”, pessoas que fizeram entre 2 e 4 sessões no ano e estiveram/estão no primeiro mês de tratamento; “5-8s”, pessoas que fizeram entre 5 e 8 sessões no ano e estiveram/estão no segundo mês de tratamento; etc.

É necessário situar que esse gráfico não apresenta os meses do ano (jan-dez), pois a pessoa pode ter iniciado o tratamento em novembro de 2018 e estar no segundo mês de tratamento em dezembro de 2018, ou seja, o dado no gráfico corresponde somente à quantidade de sessões realizadas e contadas como meses (4 sessões = 1º mês). Há também pacientes que iniciaram tratamento antes de 2017 ou em 2017 e continuaram até 2018, sendo contadas em cada um dos anos, por exemplo: de agosto de 2017 até agosto de 2018 equivale a estar no 4º mês em 2017 e no 8º mês em 2018, totalizando os doze meses de atendimento. Isso significa que uma mesma pessoa pode estar em um período na percentagem de 2017 e em outro na de 2018. Assim, sempre será falado dos pacientes no tempo passado e presente para identificar esse aspecto que pode ter acontecido ou ainda estar acontecendo.

Dois dados são importantes nesse gráfico, o primeiro é a percentagem de pessoas que fizeram somente 1 sessão durante o ano. Em 2017 o valor foi de 24% do total de pessoas atendidas e em 2018 foi de 18%, ou seja, para cada 100 pessoas que teriam buscado tratamento, 24 não retornaram em 2017 e 18 não retornaram em 2018. Por consequência, em 2018 aumentou o número de pessoas que realizou mais de uma sessão em comparação com 2017.

O outro dado é a relevância do período inicial do tratamento, que também ajuda a refletir sobre o número considerável de pessoas que realizou/está realizando entre 1 e 8 sessões, dado que tem valores altos considerando o corte estatístico feito nos dois anos. Esse é um tempo significativo para que a pessoa decida se continuará ou não o tratamento. A partir da entrada no terceiro mês a quantidade de pessoas que continuou/continua o tratamento mês a mês diminui até contar a entrada no 12º mês de tratamento no ano, lembrando que há pacientes que se tratam há mais de um ano e que são contados nas percentagens de ambos os anos.

Reflexões sobre as Estatísticas e Apontamentos de Nosso Trabalho

Refletindo sobre as estatísticas apresentadas, primeiramente, é gratificante identificar o aumento do número de pessoas que buscaram tratamento (gráfico 1) e do número de atendimentos realizados no ano de 2018 (gráfico 2). Acredita-se que isso seja fruto da divulgação que tem-se realizado com as mídias digitais e também da divulgação informal realizada por pacientes e interessados na qualidade do trabalho que tem sido feito.

Quanto à percentagem de homens e mulheres que procuraram atendimento (gráfico 3), os dados corroboram com a estatística de que sempre há uma busca maior dos serviços de saúde por mulheres, o que aponta para um conjunto de questões relacionadas às construções de gênero (Botton; Cúnico; Strey, 2017) em relação ao cuidado de si. Entretanto, também tem acontecido um aumento considerável do interesse pelo público masculino.

No que diz respeito à quantidade de pessoas atendidas em relação ao tempo de tratamento (gráfico 4), é necessário levantar algumas reflexões. Primeiro, é importante situar que no consultório tem-se adotado a postura de acolher todas as pessoas que procuram, escutando-as para que tenham um primeiro espaço de acolhimento para falarem de si e refletirem sobre o que pretendem realizar, o que não as obriga a continuarem as sessões.

A partir desse primeiro acolhimento podem ocorrer casos em que a pessoa prefere não iniciar o tratamento, pois: pensa não ser o momento; procura outro profissional pelo plano de saúde; não se interessa pela proposta de tratamento; etc. Nesses motivos também estão incluídos pacientes já atendidos que retornam e fazem somente uma sessão de acompanhamento, mas não continuam. Diante dessas situações, mantem-se a postura de acolhimento da pessoa interessada, ficando à disposição para um retorno e/ou intervindo em função do vínculo existente.

Essa postura pode ser justificada em duas falas, uma de Freud (1913), em que ele diz que “Permanece sendo o primeiro objetivo do tratamento ligar o paciente a ele mesmo e à pessoa do médico [o psicanalista]”, e outra de Maurano (2010, p. 38), ao dizer que “[…] um pedido de ajuda não é, necessariamente, um pedido de análise. Daí a importância do que Freud propôs chamar entrevistas iniciais e Lacan, entrevistas preliminares. É preciso um tempo inicial para que se possa avaliar, tanto por parte de quem pede quanto por parte do analista, se há um trabalho possível a ser feito ali, se é o momento de empreendê-lo, e se tanto o analista quanto o candidato à análise estão dispostos.”. As entrevistas iniciais, ou como Freud chamava, o “tratamento de ensaio”, servem, portanto, para vincular o paciente e o profissional e avaliar a possibilidade do tratamento, tendo em vista que uma relação de confiança entre ambos é imprescindível para um bom tratamento.

Em relação ao tempo de duração do tratamento, está é uma dúvida para muitos pacientes, mas, de fato, embora haja diferentes propostas de tratamentos psicológicos e psicanalíticos, todas elas precisam de tempo para serem realizadas, e nem todo paciente está disposto a isso. Sobre o assunto, Kock (1945) disse que “[…] nunca se deve enganar o paciente a respeito da duração da análise. Dizemos que faremos uma análise de prova durante dois ou três meses para ver se adiantará continuar. De fato, nunca se pode prever a duração do tratamento […].”.

Ao identificar quais pacientes estiveram/estão entre o 2º e o 3º mês de tratamento (gráfico 4), notam-se situações de pacientes que: avaliaram que conseguiram se reposicionar e preferiram sair do tratamento; sentiram-se provocadas(os) com alguma intervenção e preferiram encerrar; não se identificaram com a proposta do tratamento; começaram os atendimentos nos últimos meses do ano; mudaram de cidade; mudaram de situação financeira e preferiram pausar; etc.

Esses dados permitem entender como nem sempre quem procura tratamento dará continuidade a ele, por isso é valioso realizar o acolhimento e acompanhar o paciente ao longo de sua caminhada no tratamento. Por outro lado, colocam questões quanto à condução do trabalho, das dificuldades que podem ter surgido, aspecto que o profissional trabalha em sua análise pessoal, nas supervisões e nos estudos, sempre se questionando sobre sua posição no tratamento, tendo em vista que uma relação que não se constituiu ou se rompeu envolve a subjetividade de ambos os envolvidos, o que aponta para a máxima psicanalítica de que o analista deve se questionar sobre sua posição no tratamento.

Entretanto, não é possível dizer que os dados se referem a desistências derradeiras, ou seja, não significa que, por uma pessoa ter evadido, que ela não retornará futuramente. Ainda assim, os dados ajudam a fazer referências a pesquisas científicas. Na pesquisa de Leichsenring & Leibing (2003), os autores encontraram uma taxa de evasão de 15% nas terapias psicodinâmicas (psicanálise, psicologia analítica, corporal etc) e de 17% nas terapias cognitivo-comportamentais, valores abaixo de outros dados, que apontam para uma taxa de evasão de 31% em tratamentos.

Em se tratando do aspecto do paciente não se interessar pela proposta do tratamento, é possível pensar sobre os fatores importantes para as terapias, e como elas funcionam. Dois autores de campos distintos falam sobre o assunto:

Um deles, Shedler (2010), que realiza pesquisas no campo psicanalítico, diz que uma psicoterapia psicodinâmica e psicanalítica tem sete elementos distinguíveis em relação a outras terapias: 1) Foco no afeto e na expressão da emoção; 2) Exploração de tentativas de fuga de pensamentos e sentimentos sofridos; 3) Identificação de temas e padrões recorrentes; 4) Discussão da experiência passada; 5) Foco nas relações interpessoais; 6) Foco na relação terapêutica; 7) Exploração da vida fantasiosa.

Outro autor, Cottraux (2012), um crítico da psicanálise, também diz que as terapias tem sete princípios que lhes tornam eficazes, embora não sejam idênticos: 1) A importância das vivências precoces na configuração dos problemas atuais; 2) O papel da memória, principalmente a autobiográfica, e de processos inconscientes; 3) Os sistemas de crenças e as interpretações errôneas da realidade; 4) O enfrentamento paulatino das emoções durante o tratamento; 5) A relação positiva estabelecida entre paciente e terapeuta – diferente da transferência em psicanálise; 6) Aspectos psicoeducativos da psicoterapia; 7) A prescrição de comportamentos propostos ao paciente.

Não há dúvidas de que alguns dos elementos indicados por um e por outro dialogam, mas que há também aqueles que não convergem. Por exemplo: No que diz respeito a voltar-se para as próprias memórias, os sistemas de crenças, valores e padrões recorrentes, é possível que haja aproximação entre as propostas de tratamento, embora esse trabalho não seja feito da mesma maneira; em outro caso, no que diz respeito à proposição de ações a serem realizadas, indicando o caminho a ser seguido, a prática da psicanálise evita ao máximo esse ato, voltando-se para as fantasias do paciente e para a relação transferencial.

O que faz com que haja engajamento em um tratamento, seja uma análise ou psicoterapia, são vários aspectos que dizem respeito à relação entre o paciente e o profissional, as características de ambos e a proposta do trabalho a ser realizada, ou seja, cada tratamento terá seu valor na medida das implicações colocadas nele. Entretanto, dois fatores são fundamentais no tratamento: a relação terapêutica entre paciente e profissional e as expectativas do paciente. Esses dois fatores são valiosos para qualquer tratamento psicológico (Uribe Restrepo, 2008).

Já, especificamente, na prática da psicanálise o psicanalista visa produzir intervenções que não digam o que o paciente deve fazer, mas apontar-lhe para seus pontos de sofrimento e de desejo. Nesse sentido, o analista tem um desafio no tratamento, segundo Lacan (1998, p. 593), pois paga com suas palavras, pelo que diz no tratamento; com sua pessoa, pois a empresta ao próprio tratamento para lidar com os fenômenos que surgem; e com seu juízo íntimo, pois não é de sua vida íntima que ele intervém.

Considerações Finais

Retomando o começo do relatório, é importante pensar que juntamente com o caso a caso dos atendimentos entram em questão também da gestão e do empreendedorismo. Após falar sobre os dados dos últimos anos, observando o aumento do número de pessoas que buscam acolhimento e orientação, mas principalmente tratamento, e refletir sobre os movimentos no consultório, fica nosso contentamento e agradecimento pelo envolvimento de quem tem buscado tratamento e nosso compromisso com a formação, que envolve o tripé composto pela análise pessoal, a supervisão e os estudos, aspectos também cruciais no trabalho.

Muito obrigado!

Flávio Mendes, psicólogo psicanalista em Vitória/ES.

Referências

Botton, A; Cúnico, S. D; Strey, M. N. (2017). Diferenças de gênero no acesso aos serviços de saúde: problematizações necessárias, In Mudanças – Psicologia da Saúde, 25(1)67-72, Jan.-Jun., 2017.

Cottraux, J. Outro olhar sobre o inconsciente e as psicoterapias. In: Meyer, C. (org). O livro negro da psicanálise. Rio de Janeiro: Civilização Brasileiro, 2012, p. 611-631.

Freud, S. (1913). Sobre o início do tratamento (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise I). In: Obras Completas – Edição Standard Brasileira, V. XII. Rio de Janeiro: Imago.

Kock, A. (1945). Elementos básicos da terapia psicanalítica. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 3(4), 458-466.

Lacan, J. A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In:______. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 591-652.

Leichsenring, F.; Leibing, E. The effectiveness of psychodynamic therapy and cognitive behaviour therapy in the treatment of personality disorders: a meta-analysis, In Am J Psychiatry, 160:7, jul 2003.

Maurano, D. A psicanálise, a história e a arte. In:______. Para que serve a psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010, p. 18-28.

Shedler, J. The efficacy of psychodynamic psychoterapy, In American Psychological Association, vol. 65, n. 2, 2010, 98-109.

Uribe Restrepo, M. (2008). Factores comunes e integración de las psicoterapias. Revista Colombiana de Psiquiatría, 37(Suppl. 1), 14-28.

Observação: Antes da publicação deste relatório, foi feita averiguação juntamente ao Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo, se o conteúdo apresentado fere o Código de Ética da Psicologia, principalmente seu artigo 20, não sendo encontrada qualquer irregularidade no conteúdo.

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