Livro: O Livro de Eva
A obra “O Livro de Eva” foi escrita pela romancista Constance Beresford-Howe, publicada em 1973 e republicada em 2003, e traz um contexto intrigante sobre a terceira idade.
A trama é a seguinte: Eva é uma mulher de meia-idade, com cerca de sessenta anos, que vivia com o marido Burt e sentia-se insatisfeita com os rumos de sua vida. Ela já se apresenta falando o que fez com sua insatisfação: saiu de casa e deixou para trás marido, família, objetos e tradições; procurou um lugar para morar e encontrou um porão no subúrbio da cidade. Desse momento em diante, Eva conta o recomeço de sua vida, seus desafios e reflexões. Como a história é narrada em primeira pessoa, você sente Eva lhe contando pessoalmente aquilo que ela está vivendo.
A leitura do livro permite pensar em algumas questões importantes, dentre elas a do envelhecimento e o desejo.
A Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) define o envelhecimento como um processo irreversível e universal de degradação de um organismo tornando-o incapaz de lidar com o estresse do ambiente e aumentando suas chances de morte.
Você deve ter notado que nessa definição o envelhecimento ocorre ao organismo como um todo e não especificamente ao psiquismo ou ao contato social. Considerando esse ponto, se não há perdas orgânicas significativas, também não há tantos desgastes psicossociais. Não é tudo que degrada com o envelhecimento, entende?
Embora saibamos que as populações estão envelhecendo, até por conta do aumento da esperança de vida, os idosos ainda são tratados como coitados e incapazes. Por outro lado, você deve notar diferenças entre os idosos de antigamente e os de hoje, certo? Isso muda com o tempo e com as culturas.
Se compararmos os idosos de hoje com os de cem anos atrás não veremos os mesmos tipos de idosos. Talvez aí se encaixe bem o exemplo de Eva, uma mulher que, mesmo ciente de seu envelhecimento biológico, de sua pressão alta e das dores no corpo, se pergunta sobre seus aprisionamentos e decisões, pensa a respeito e reconsidera sua posição na vida:
“Pergunto-me se eles [as pessoas] percebem quantas identidades submersas as mulheres como eu podem acobertar, como somos reprimidas e suprimidas por uma vida que não nos pode permitir nenhum tipo de expressão própria”.
A vida não é dividida em fases, nós é que a dividimos: nos classificamos como crianças, adolescentes, adultos e idosos. Entretanto, diferentemente dessas fases, somos pessoas únicas passando por transformações singulares e acumulando experiências durante uma jornada. A velhice pode degradar nosso organismo, mas não degrada nosso desejo, nosso impulso em direção à vida.
Na orelha do livro, entendemos que Eva, “Apesar de tudo, não sente remorso. Na verdade, descobre-se rejuvenescida e livre. Sem culpa, em plena ressurreição.”. No momento em que decidiu reposicionar-se, ela sentiu-se rejuvenescida e livre. O rejuvenescimento não é um fenômeno especificamente biológico, mas também e, principalmente, psicológico e social. Sentimos desgaste quando presos ou rejuvenescimento quando ganhamos livres. O desejo flui novamente.
A reflexão sobre o desejo é uma aposta da psicanálise. Quando alguém com idade avançada fala de suas singularidades, ela se torna extremamente jovial. Aí está mais a singularidade de uma pessoa que as características típicas de um idoso. É o mesmo titubear diante do desejo, o mesmo receio de insistir com ele, de seguir em frente, porque o desejo não tem idade.
Frases como “estou velha para isso”, “já passei da fase” e “não dá mais tempo” são ditas por pessoas de diferentes idades que desistem de sustentar o que gostariam de fazer. Entende que não são necessariamente os idosos que falam isso? Geralmente, esse é um discurso que justifica uma desistência diante do desejo.
Na vida de Eva, o desejo foi um sentimento de insatisfação que por anos apontou algo que não ia bem, embora ela fizesse de tudo para manter como estava. Uma hora, porém, isso ficou insuportável. Agora, se ela desistiu ou insistiu, você só saberá após ler o livro.
Até o próximo!
Abraço!
Abraço!
Observação: Essa publicação compõe o projeto-piloto “Psicologia, Psicanálise e Saúde Aplicadas às Artes”, realizado como uma experiência de Lista de E-mails durante o período de setembro e novembro de 2016. Contém dez publicações: “Viver socialmente sem se apagar”, “O desejo humano envelhece?”, “O Inconsciente, nosso estranho familiar”, “Será que somos todos loucos?”, “Essa família é muito unida e também…”, “O que você procura no amor?”, “Apagar as memórias cura nosso sofrimento?”, “O que você sabe sobre as drogas?”, “O que você faz com a sua preguiça?”, “Será que existe um duplo seu por aí?”.