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Filme: A Garota no Trem

O filme “A Garota no Trem” é um suspense baseado no livro homônimo de Paula Hawkins, lançado nos cinemas do Brasil mês passado, dirigido por Tale Taylor e estrelado por Emily Blunt (Rachel), Rebecca Fergunson (Anna), Justin Theroux (Tom),  Haley Bennett e Luke Evans. O enredo apresentado no próprio livro é muito convidativo:
“Todas as manhãs Rachel pega o trem das 8h04 de Ashbury para Londres. O arrastar trepidante pelos trilhos faz parte de sua rotina. O percurso, que ela conhece de cor, é um hipnotizante passeio de galpões, caixas d’água, pontes e aconchegantes casas. Em determinado trecho, o trem para no sinal vermelho. E é de lá que Rachel observa diariamente a casa de número 15. Obcecada com seus belos habitantes – a quem chama de Jess e Janson –, Rachel é capaz de descrever o que imagina ser a vida perfeita do jovem casal. Até testemunhar uma cena chocante, segundos antes de o trem dar um solavanco e seguir viagem. Poucos dias depois, ela descobre que Jess – na verdade Megan – está desaparecida. Sem conseguir se manter alheia à situação, ela vai à polícia e conta o que viu. E acaba não só participando diretamente do desenrolar dos acontecimentos, mas também da vida de todos os envolvidos.”
Rachel é uma mulher que está enlutada e sofrendo com alcoolismo crônico com perda de memória. Sua condição se construiu ao longo do casamento com Tom e piorou após o divórcio e o casamento de Tom com Anna. Vemos uma mulher que não conseguiu elaborar o fim de um casamento, de um amor, e que abusa da bebida alcóolica, que lhe provoca problemas na memória.
O suspense da história está exatamente no fato de que Rachel viveu situações as quais não se recorda por conta de sua memória falhar. Durante o filme, tanto ela como nós duvidamos de suas lembranças, o que provoca expectativa por não termos peças suficientes para completarmos o quebra-cabeça.
Agora, o que podemos pensar sobre o uso de substâncias psicoativas pela humanidade? A expressão substância psicoativa é o termo técnico para todas as substâncias que utilizamos visando provocar efeitos sinestésicos (sensações) e psicológicos.
As substâncias psicoativas, as drogas em geral, estão presentes na natureza e na história humana de longa data. A descoberta do café, que remonta à Etiópia no século IX, traz o contexto de um cuidador de cabras que, vendo seus animais ficarem mais espertos após comerem as folhas e frutos do cafeeiro, passou a fazer infusão dos frutos. Até hoje fazemos essa infusão, não? Um cafezinho para mantemo-nos acordados. (Exemplo de outra planta, a marula).
Considerando o exemplo do café e da marula, pode-se dizer que, diante da existência de uma substância na vida de uma pessoa, o principal não é saber se ela é moralmente correta ou não, mas quais são os seus efeitos, como a pessoa as utiliza e em quais circunstâncias.
Entre os anos 1950-60 foram feitos experimentos com ratos para entender como a droga se torna um vício. Resumidamente, foi assim: Um grupo de ratos foi colocado individualmente isolado em gaiolas pequenas, recebendo água com substâncias psicoativas, o que claramente provocou o vício. Diferentemente deste, outro grupo foi colocado em um ambiente grande, com pontos de comida e água, de substâncias psicoativas, e contato com outros ratos. Os ratos que estavam nesse ambiente resistiram a tomar as substâncias. O experimento permitiu concluir que as drogas só se tornam ponto de apoio forte quando o contexto de vida não apresenta elementos mais interessantes. Pensando bem, isso serve para qualquer vício.
No filme, a Rachel não encontrou, tampouco pareceu procurar, algum ponto de apoio. Ao invés disso, ela fazia diariamente o mesmo percurso de trem, observando as casas, prestando atenção ao que acontecia, pensando na vida daquelas pessoas, até se envolver mais do que devia. Sua dificuldade, contudo, foi sua perda de memória, um dos efeitos psicológicos associados ao uso excessivo de álcool.
Problemas com o álcool acontecem com a Rachel, personagem fictícia, e com diversas pessoas reais, provavelmente você saiba até de algum exemplo.
Desse assunto podemos retirar os seguintes apontamentos: 1) o abuso de substâncias psicoativas como o álcool e drogas ilícitas prejudica o funcionamento de nosso organismo e de nosso psiquismo, além de fragilizar nossas relações sociais; 2) não se deve moralizar o assunto das drogas e sim entender o contexto no qual elas estão inseridas, postura esta que devemos tomar em todas as situações, sem exceção. O primeiro apontamento é uma advertência do perigo do abuso e do excesso de substâncias, e o segundo é uma indicação de como manejar essa situação.
Para encerrar, você já ouviu falar de “redução de danos”? É uma política pública da área da saúde para reduzir os danos relacionados ao uso de substâncias psicoativas, entendendo que não adianta forçar a pessoa a parar drasticamente o uso – porque isso causará abstinência –, mas auxiliá-la a reduzir o uso e modificar as drogas até que tenha condições de largá-las. É uma discussão bastante pertinente com propostas respeitosas e que visam a melhoria da qualidade de vida do usuário até que ele consiga sair do abuso.
Até o próximo!
 Abraço!

Observação: Essa publicação compõe o projeto-piloto “Psicologia, Psicanálise e Saúde Aplicadas às Artes”, realizado como uma experiência de Lista de E-mails durante o período de setembro e novembro de 2016. Contém dez publicações: “Viver socialmente sem se apagar”, “O desejo humano envelhece?”, “O Inconsciente, nosso estranho familiar”, “Será que somos todos loucos?”, “Essa família é muito unida e também…“, “O que você procura no amor?”, “Apagar as memórias cura nosso sofrimento?”, “O que você sabe sobre as drogas?”, “O que você faz com a sua preguiça?”, “Será que existe um duplo seu por aí?”.

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