No sábado 05/10/19 participamos de uma casadinha de eventos. Pela manhã estivemos na “Jornada sobre Inclusão e Psicanálise” realizada pela psicanalista Cecilia Oliveira, da Escola Lacaniana, juntamente com a Faesa, e na tarde estivemos no “II Intercâmbio de Psicoterapias – Tema: Mindfulness”, organizado pelo psicólogo Diego Souza. Dois eventos distintos e interessantes por trazerem questões importantes, tanto da Psicanálise pensar a questão da Inclusão, quanto para entender como a prática da Mindfulness está sendo apropriada por diferentes propostas terapêuticas.
Na Jornada sobre Inclusão e Psicanálise foi possível acompanhar um conjuntos de discussões na interface entre Psicanálise e Educação, dentre as quais: aspectos da constituição subjetiva; a dificuldade que os pais tem vivenciado diante das cobranças da sociedade; a preocupação da escola frente às novas demandas que lhe tem chegado; e da rede, no sentido de pensar em práticas integradas entre diferentes espaços. Fica clara a importância da construção de espaços de diálogo e trabalho articulado entre diferentes pessoas e grupos para pensar o tema da Inclusão e a Psicanálise é um dos campos que podem contribuir no processo.
Já no Intercâmbio de Psicoterapia foram feitas três apresentações sobre a utilização da Mindfulness no trabalho clínico, sendo elas as dos psicólogos Fábio Nogueira (Gestalt Terapia), Roberta Alvarenga (Modelo MBCT) e Gleison Pessoa (Mindfulness Funcional). Esse foi um espaço importante para refletirmos sobre diferenças entre essas propostas e a prática psicanalítica, pois cada uma das abordagens adaptou a Mindfulness conforme suas propostas internas, além de reconhecer os efeitos terapêuticos dessas propostas. Assim, foi possível tecer algumas considerações:
Embora tenhamos leituras e intervenções distintas, tendo em vista que as Psicoterapias e a Psicanálise são fundadas em uma interação humana, inevitavelmente tocaremos em pontos parecidos. Ao longo dos estudos sobre Eficácia das Psicoterapias, torna-se compreensível como o processo psicoterapêutico se fundamenta em quatro aspectos importantes, sendo eles: a relação entre paciente e profissional; as características do paciente; as características do profissional (que incluem sua formação); e a racionalidade proveniente da teoria do profissional.
A articulação desses elementos possibilita um processo psicoterapêutico eficiente. Entretanto isso não significa que a visada seja a mesma para cada proposta. A questão da Atenção, por exemplo, também está presente na técnica freudiana, quando ele fala sobre a associação livre como regra fundamental indicada ao paciente:
“O tratamento é iniciado pedindo-se ao paciente que se coloque na posição de um auto-observador atento e desapaixonado, simplesmente comunicando o tempo inteiro a superfície de sua consciência e, por um lado, tornando um dever a mais completa honestidade, enquanto que, por outro lado, não retendo da comunicação nenhuma ideia, mesmo que (1) sinta ser ela muito desagradável, (2) julgue-a absurda ou (3) sem importância demais ou (4) irrelevante para o que está sendo buscado. Descobre-se uniformemente que justamente as idéias que provocam as reações por último mencionadas são as que têm valor específico para a descoberta do material esquecido.” (S. Freud, “Dois verbetes de enciclopédia” (1923), vol. XVIII).
Definindo o que é a Mindfulness, Jeferson Pires e outros dizem que: “O estado de atenção plena (mindfulness) pode ser definido como uma qualidade da consciência que surge ao prestar atenção, de forma intencional e com postura de não julgamento, às experiências (pensamentos, sensações e sentimentos) que surgem no momento presente. […]. a atenção plena é um atributo da consciência, capaz de promover bem-estar psicológico e que envolve awareness e atenção. Awareness diz respeito ao monitoramento das experiências internas (sensações, sentimentos, pensamentos) e do ambiente, o que também inclui seu aspecto não elaborado (como perceber-se pensando), ao passo que a atenção envolve, exclusivamente, a “seleção” da experiência, promovendo aumento de sensibilidade a estímulos delimitados” (Evidência de Validade da Medida de Atenção Plena pela Relação com Outras Variáveis).
Ao ler os dois trechos é possível pensar na questão da Atenção colocada em ambas as propostas. A Meditação Mindfulness tem por intuito limpar a atenção dos pensamentos indesejáveis e das distrações cotidianas, atribuindo-lhes menor valor, e orientá-la para o momento presente para vivê-lo em sua plenitude, entrando em contato e aceitando emoções e pensamentos atuais; é, portanto, 1) uma técnica vivencial e 2) uma atitude diante de si próprio.
De outro modo, a Associação Livre, embora também tenha o movimento de atentar-se aos pensamentos que surgem no momento presente, mas da sessão, orienta-se por verbalizá-los, inclusive aqueles desagradáveis, absurdos, desimportantes ou irrelevantes, para identificar as linhas associativas a que eles estão ligados e, consequentemente, alcançar as articulações psíquicas que causam sofrimento; é, então, 1) uma técnica causal e 2) uma atitude diante de um outro que escuta, o psicanalista.
A partir dessa reflexão sucinta e não aprofundada e que, por conseguinte, merece mais atenção, fica um questionamento: Não seriam as técnicas da Mindfulness e da Associação Livre (Psicanálise) opostas entre si, pois enquanto a primeira é uma atitude vivencial consigo no momento presente, a outra é uma atitude causal com o outro perante o fluxo associativo dos pensamentos?
Deixemos essa questão assim para refletirmos. Por ora, esta é uma apreciação meramente descritiva da questão que demanda também considerações sobre quais efeitos essas diferentes propostas produzem. Algo a refletirmos.
Obs.: Em 2018 participamos do I Intercâmbio de Psicoterapia organizado pelo Diego Souza e falamos sobre “A Depressão segundo a Escuta da Psicanálise”. Se você se interessa, pode ler o texto-base clicando aqui.
Flávio Mendes,
Psicólogo psicanalista em Vitória/ES.
Muito interessante reflexão! Vc acredita que há conflito epistemológico ao usar a teoria freudiana na técnica da clínica,porém indicar prática mindfulness para o Paciente trabalhar a ansiedade por exemplo?
Olá, Talita, boa noite!
Acho que o assunto pede maiores reflexões, mas se trata menos de um problema de experiência que um problema epistemológico e técnico. Em termos de experiência, o paciente pode realizar a prática de Mindfulness em sua vida, isso diz respeito à vida pessoal dele, tal como realizar qualquer outra prática vital. Mas em relação à proposta psicanalítica, a partir de uma primeira consideração, ainda modesta, não há convergência entre a regra fundamental da psicanálise, a associação livre (falar tudo o que vem aos pensamentos, independentemente do assunto, do tempo, do vínculo temporal, inclusive o que rejeita) e a atenção plena, pois enquanto uma se volta para a enxurrada das associações livres, a outra se propõe a atentar-se estritamente para o momento presente. Então, que o paciente possa fazer a atenção plena em sua vida, isso não é um problema, mas o psicanalista propor fazer isso como parte de sua técnica coloca em questão o arcabouço teórico com o qual ele trabalha, a saber, ele não estaria trabalhando como psicanalista.
Essa foi a conclusão a que cheguei nesse encontro, mas não tenho estudos suficientes para ir além. Acho que são necessários mais estudos para considerar. O que você pensa sobre isso? Um abraço!