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No sábado, 15/02/2020, na Jalan Jalan, em Vitória/ES, participamos da Roda de Conversa “Psicanalistas nas Redes Sociais” juntamente com os psicólogos psicanalistas Raphany Siqueira e Bruno Ragassi para refletir sobre esse tema que é pra lá de polêmico. Quem faz parte dos campos da Psicologia e da Psicanálise sabe que a participação de psicólogos e de psicanalistas nas redes sociais traz consigo diversos questionamentos internos aos campos. Diante dessa dificuldade, nós aceitamos o desafio de refletir sem hesitação e levantando questões e reflexões necessárias a partir do campo psicanalítico.

Nessas três horas de Roda de Conversa debatemos sobre aspectos como:

  • A democratização do saber e a preocupação com a ética e a responsabilidade social do profissional, assim como as dificuldades frente aos sofrimentos existentes;
  • A produção de demanda e o descuido que isso pode produzir quando se divulga o trabalho;
  • O que falar e como falar, considerando a importância de refletir e questionar e o problema de ofertar conhecimento psicopatológico e soluções fáceis;
  • Como sobreviver da clínica e como isso também poder se relacionar à presença dos psicanalistas nas redes sociais, além de pensar que não há psicanálise fora do modelo econômico capitalista, então, como pensar essa questão a partir dos referenciais psicanalíticos;
  • Dilema das práticas psicológicas e psicanalíticas devido à presença dos coaches e de outras práticas que chegam, em alguns casos, a ocupar o lugar de quem oferta soluções rápidas e mágicas à população, vendendo sonhos de felicidade e sucesso;
  • A demanda que se cria ao estar presente nas redes sociais e como pensá-la a partir do campo psicanalítico;
  • Distinções entre a vida pública e a vida privada do profissional, com pacientes solicitando participação no perfil privado do profissional;
  • A questão do atendimento online, considerando suas implicações a partir da teoria psicanalítica;
  • Considerações sobre a presença de outros psicanalistas nas redes sociais, tais como Lacan e Françoise Dolto, no passado, e contemporaneamente, Christian Dunker e alguns outros.

Esses e outros pontos foram debatidos de forma rica na Roda de Conversa, que deixou o interesse de novos encontros. Ficamos gratos com o convite para o encontro e esperamos que aconteçam outros futuramente. Além disso, esperamos que a discussão franqueie o envolvimento dos psicanalistas nas redes sociais, considerando as próprias articulações do campo.

A seguir, disponibilizamos um material que preparamos para pensar sobre os “Psicanalistas nas Redes Sociais”, que se trata de conteúdos retirados das obras de diferentes profissionais nas redes sociais e nos espaços públicos, dentre os quais a publicação de livros, o convite para dar conferências, a participação na televisão, no rádio e na internet. Isso pode contribuir para sua reflexão.

Se te interessa conhecer mais assuntos, sugerimos ler as publicações sobre o projeto Psicanálise Paralêla, sobre se a Psicoterapia Funciona e sobre Perguntas e respostas feitas a psicólogos e psicanalistas acerca do tratamento.

Sugestões de materiais de leitura:

James Strachey, prefácio de Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, 1901 (vol. VI, p. 15)

O editor diz que essa obra foi, juntamente com as Conferências Introdutórias (1916-17) as que tiveram maior número de edições e de traduções para línguas estrangeiras, material no qual Freud sempre incluía novos materiais, dificuldade até a compreensão pela quantidade significativa de exemplos.

Freud, Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, 1901 (vol. VI, p. 245)

Freud diz que tem um breve exemplo de um correspondente, segundo o qual seu filho de dezoito anos e meio, que quer estudar medicina, já está se ocupando da psicopatologia da vida cotidiana e está tentando convencer seus pais sobre a justeza de suas afirmações. Ele então reproduz as experiências realizadas com a mãe dizendo um número que lhe vem à cabeça, 79, ele pedindo que ela associe, está dizendo que se lembra de um lindo chapéu que viu no dia anterior, ele perguntando o preço, ela respondendo 158,00 marcos, e ele dizendo que o número era a metade do valor, que o chapéu lhe pareceu caro e que ela sem dúvida pensou que se custasse a metade, ela o compraria.

Freud, Algumas lições elementares de psicanálise, 1940 (vol. XXIII, p. 301)

Freud inicia o texto dizendo que “Um autor que se dispõe a introduzir algum ramo do conhecimento – ou, para falar de modo mais modesto, algum ramo da pesquisa – para um público não instruído tem claramente de fazer sua escolha entre dois métodos ou técnicas”. Então, explica os dois métodos, o genético e o dogmático. Por fim, dá sua posição dizendo que “No que se segue, não me basearei exclusivamente em nenhum dos dois métodos de apresentação: farei uso ora de um, ora de outro. Não tenho ilusões sobre a dificuldade de minha tarefa. A psicanálise tem poucas perspectivas de se tornar apreciada ou popular. Não se trata simplesmente do fato de que muito do que ela tem a dizer ofende os sentimentos das pessoas uma dificuldade quase igual é criada pelo fato de nossa ciência envolver certo número de hipóteses – é difícil dizer se elas devem ser encaradas como postulados ou como produtos.”

Fenômeno lacaniano (Alô, Lacan?; p. 172)

Lacan conta no seminário de 10 de dezembro de 1974 que fora convidado por pessoas de uma cidade de província para fazer uma conferência de título “O fenômeno lacaniano”. Diante do convite que expunha claramente a preocupação comercial, Lacan observa que não se trata de falar dele, mas de exibi-lo – na própria pessoa de Lacan. Ele aceita falar e mantém o título e diz que não aceitá-lo só poderia ser percebido como uma denegação. Ao final da conferência, ele notou que recebeu perguntas tão pertinentes que só pôde concluir que ele próprio havia demonstrado esse “fenômeno lacaniano”.

Televisão, 1974 (Alô, Lacan?; p. 184)

O realizador estava desesperado, a cada tomada para a emissão de Televisão, Lacan respondia de modo diferente à pergunta imutável, que lhe era feita.

Televisão, 1974 (Alô, Lacan?; p. 185)

O opúsculo publicado sob o título Televisão de nenhuma forma oferece uma versão fiel do que Lacan dizia quando da emissão televisiva “transcrita”. De modo que, para ter acesso ao acontecimento desta televisão, só resta a todos usar, via cassete e vídeo, sua televisão.

Maria Pierrakos, A “batedora” de Lacan (p. 66)

“Enfim, tais comportamentos institucionais, ou seja, garantidos pela instituição, prejudicam o próprio conceito de psicanálise. Como um colega escrevia para mim, a psicanálise deve ser, em todos os domínios, o contrário de uma tomada de poder. E não se pode agir de uma certa maneira em praça pública e de outra no segredo do consultório: encontramos aí a impostura.”.

Jacques Alain-Miller sobre Lacan em Jacques Lacan, Meu ensino, Preâmbulo

Estamos em 1967, depois em 1968, antes de maio. Os Escritos foram publicados no fim de 1966. Lacan é convidado para falar sobre eles nos mais diversos lugares. Às vezes aceita viajar ao interior da França. Vê-se diante de auditórios que não conhecem o que ele chama de seu “ritornelo”. Improvisa, relata seus desencantos com os colegas, expõe os conceitos da psicanálise num estilo bem familiar. É engraçado. Por exemplo: “o inconsciente é conhecido desde sempre. Mas na psicanálise é um inconsciente que pensa vigorosamente. Então aí, atenção, calma.”. Às vezes beira o esquete: “Os psicanalistas não dizem absolutamente o que sabem, mas deixam-no a entender. ‘A gente sabe um pouquinho, mas sobre isso bico calado, acertamos entre nós’. Entra-se nesse campo de saber por uma experiência única, que consiste simplesmente em se submeter a uma psicanálise. Depois disso, poder-se-ia falar. Poder-se-ia falar, o que não quer dizer que se fale. Poder-se-ia. Poder-se-ia caso se quisesse, e querer-se-ia de fato caso se falasse a pessoas como nós, que sabem, senão para quê? Logo, cala-se tanto com aqueles que sabem como com aqueles que não sabem, pois os que não sabem não podem saber.”. Depois vêm as coisas mais complexas, mas sempre introduzidas com grande simplicidade.

Lacan, Então vocês terão escutado Lacan, 1967, Meu ensino (p. 103 e 107)

“Não posso dizer que minha situação seja muito difícil. Ao contrário, é extremamente fácil. a própria maneira como acabo de ser apresentado indica que, de toda forma, terei falado a título de Lacan. Então, vocês terão escutado Lacan.”

“Não é a isso que meu ensino serve [os postulados], mas de que é servo. Ele está a serviço, serve para valorizar alguma coisa que aconteceu e que tem um nome, Freud.”

Orelha do livro Televisão, 1974

“Quando a televisão francesa decidiu fazer um programa sobre Jacques Lacan, este não viu por que não falar aos telespectadores da mesma maneira que falava àqueles que assistiam a seu seminário: ‘aos não-idiotas, aos analistas supostos’. O programa foi ao ar no início de 1974, trazendo às telas a figura de Lacan com sua preciosa enunciação do texto escrito para a ocasião e publicado com esse nome no mesmo ano.”.

Televisão, 1974, p. 11-12

“Digo sempre a verdade: não toda, porque dizê-la toda não se consegue. Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras. É justamente por esse impossível que a verdade provém do real. Confesso, portanto, ter tentado responder à presente comédia e que isso ficou bom para o lixo. Falhado, portanto, mas por isso mesmo bem-sucedido em relação a um erro ou, melhor dizendo, error. Este, sem maior importância por ser ocasional. Mas, primeiro, qual? O error consiste nessa ideia de falar para que idiotas me compreendam. Ideia, que tão pouco me excita naturalmente, que só pode ter-me sido sugerida. Pela amizade. Perigo. Pois não há diferença entre a televisão e o público diante do qual falo há algum tempo, o que chamam de meu seminário. Um olhar nos dois casos: a quem não me dirijo em nenhum dos dois, mas em nome de que falo. Que não creiam, no entanto, que nele falo a esmo. Falo para aqueles que entendem disso, aos não-idiotas, a analistas supostos.”.

Françoise Dolto, 1976 (Quando os filhos precisam dos pais, prefácio)

“Em agosto de 1976, durante minhas férias, recebi um telefonema. O diretor da France-Inter, Pierre-Wiehn, que eu não conhecia, convidava-me a participar, na volta às aulas, de um programa de rádio sobre problemas dos pais com seus filhos. Em plenas férias, pensar na volta! Não. Um não categoria também diante da dificuldade de um programas desses sabendo que há tantos fatores inconscientes em jogo nos problemas de educação. Alguns dias depois, o assistente do diretor da France-Inter, Jean Chouquet, tentava por telefone ser mais convincente. A demanda é grande, dizia-me ele; muitos pais, desde que o rádio se tornou o companheiro sonoro do lar, buscam nele respostas para seus problemas psicológicos. Precisamos fazer um programa sobre as dificuldades ligadas à educação dos filhos. Talvez. Mas por que dirigir-se a mim, já tão ocupada com meu trabalho de psicanalista? Isso é papel de educadores profissionais, psicólogos, mães e pais de família jovens. Muitas pessoas tratam dessas questões. Minha resposta é não… e não pensei mais no assunto.

“[Posteriormente, Pierre Wiehn voltou a ligar e a convenceu a se reunir para conversar]. Sim, era verdade, havia algo a ser feito pela infância. Muitos pedidos por parte do público. Como responder de maneira eficaz sem prejudicar, sem doutrinar e, usando essa audiência, fazer algo por aqueles que são o futuro de uma sociedade que nunca os ouve? […].

“Não seria possível, então, ajudar os pais em dificuldade a se exprimir, a refletir sobre o sentido das dificuldades de seus filhos, a entende-los e vir em seu auxílio, em vez de tentar calar ou ignorar os sinais de sofrimento infantil? […].

“No entanto, não haveria o perigo de fazê-los acreditar em soluções prontas, em truques educativos eficazes, ao passo que muitas vezes se trata de problemas emocionais complexos que, nos adultos que se tornaram pais, estão enraizados na repetição dos comportamentos de seus próprios pais – ou, ao contrário, na oposição à sua condição de genitores, envolvidos jovens demais com responsabilidades familiares de que não conseguem dar conta, ao mesmo tempo que continuam sua própria adolescência prolongada, ou seja, comprometidos com uma vida responsável cedo demais? É claro que não se devia esperar muito desse tipo de programa; contudo, seria isso razão para recusar? É claro que, diga-se o que for, isso provocaria muitas contestações; contudo, seria isso razão para não acreditar? […].

“Como proceder? Em primeiro lugar, não respondendo ao vivo e a qualquer pergunta, ainda que anônima. Era preciso suscitar cartas detalhadas, garantindo aos que escrevessem que todas as suas cartas fossem lidas atentamente, embora poucas pudessem receber resposta, dada a brevidade do tempo no ar. Formular por escrito suas dificuldades já é um meio de ajudar a si mesmo. Essa era a minha primeira ideia.

“Depois de ler a correspondência, seria preciso escolher entre os pedidos os que apresentassem, através de um caso particular, um problema capaz de interessar um grande número de pais, ainda que se manifestasse de forma diferente para cada criança. […]. Portanto, deveríamos falar, através de casos particulares, dessas dificuldades mais frequentes, para que o programa servisse realmente à compreensão da infância por adultos que, em grande parte, não tivessem nenhuma ideia dessas provações específicas da infância e das modalidades reacionais que acompanham obrigatoriamente, segundo a natureza da criança, sua resolução favorável.

“Esse trabalho, esse serviço social, digamos, seria incumbência de um psicanalista? Um psicanalista é formada para a escuta silenciosa dos que vem falar com ele para recuperar a ordem interior perturbada por experiências dolorosas passadas, cujo sentido perturbador procuram decodificar reevocando-as, aprisionados que estão por processos de repetição que entravam sua evolução humana. Caberia a um deles, eu, no caso, falar pelas ondas do rádio, responder a perguntar sobre educação? Essa pergunta fiz e continuo fazendo a mim mesma. É claro que falo informada pela psicanálise, informada também, pelas duras experiencias não resolvidas durante a educação daqueles que encontrei em minha profissão, jovens e menos jovens, e não posso falar de outro modo. No entanto, embora a evolução de cada ser humano passe pelas mesmas etapas de desenvolvimento, cada um experimenta diferentemente suas dificuldades, sempre associadas às de seus pais, em geral muito bem-intencionadas. Acaso esse conhecimento do sofrimento humano, sempre particular e individual, pode contribuir para ajudar os outros? Não sei. A experiência o mostrará. […]. Mas, embora eu seja psicanalista, sou igualmente mulher, esposa, mãe, e também conheci os problemas desses diferentes papeis e conheço os obstáculos à boa vontade. Falo como uma mulher que, embora psicanalista, está na idade de ser avó, e mais, mulher cujas respostas são discutíveis, cujas ideias que guiam essas respostas são contestáveis, num mundo em transformação onde as crianças de hoje serão os adolescentes e os adultos de amanhã, numa civilização em mutação. Tento apenas esclarecer a questão de quem pergunta. Os ouvintes, tanto os que me escrevem como os que me ouvem e aqueles que aqui irão ler minhas respostas, não deveriam imaginar-me como depositária de saber um verdadeiro, que não poderiam questionar. Trata-se de um momento de pesquisa, a minha, que vai ao encontro dos problemas atuais concernentes às crianças de hoje, em muitos aspectos submetidas a experiencias e a um ambiente psicossocial em transformação e a situações novas para todas. Em minhas respostas, meu objetivo é estimular os pais em dificuldades a ver o problema sob um ângulo um pouco diferente do seu, estimular no espírito dos ouvintes não diretamente envolvidos com a reflexão sobre a condição da infância que nos rodeia […].”

Christian Dunker, 2018 (Falando Nisso 185 – Psicanálise no Youtube)

O público pergunta a Dunker sobre como fica essa situação do psicólogo ou do psicanalista fazendo uso da internet, o que isso toca na questão da neutralidade e da regra de abstinência do psicanalista. Dunker começa falando que quando se está descobrindo a coisa acontecem efeitos deletérios, iatrogênicos, que não necessariamente temos conhecimento. Ele cita o exemplo dos Curry por conta da radiação. Então ele fala sobre a regra da abstinência em Freud sobre os julgamentos dentro do contexto da análise para que o paciente possa falar de si. Entrando mais a fundo, ele fala que manter uma neutralidade total é uma conjectura muito datada, que no período de Freud os seus pacientes eram pessoas que o conheciam, que participavam de sua vida, e que a ideia embutida nisso seria uma forma de manter uma posição privilegiada, que se mantivesse fora de qualquer consideração pessoal, então nesse caso não daria para ter psicanálise em cidades pequenas. Falando de Lacan ele diz que o que entra na análise não é o analista, mas a transferência, pois o analista não tem sexo, é a transferência que mobiliza o processo. Ele segue falando a respeito de psicanalistas falando de política, ele diz, retomando Lacan, que este falava sobre produzir uma separação em relação às opiniões do senso comum, diferença que tinha função crítica para construir um espaço. Fala de Françoise Dolto que intervém quando a França está ocupada, e ela entra em contato com o governo francês e propõe popularizar a ideia da carta para Papai Noel, como forma de no espaço de desamparo pudessem ter um espaço para a palavra. Também da de Winnicott fazendo suas alocuções públicas, e de Lacan em Televisão ou Radiofonia. Ele comenta que podem objetar dizendo que eles estavam falando de psicanálise ali, tornando os conceitos parte do debate público, inclusive a proposta de Dunker, que entende que é necessário participar do debate público. Diante disso ele diz que é importante tornar prática psicanalítica visível, fazer a crítica a nossos fundamentos, expor e visibilizar os motivos e razões do que a gente faz e incluir mais pessoas na nossa conversa. Então finalizando ele diz que de fato produzem efeitos nas análises dos pacientes, mas não são efeitos exagerados, pois em geral paciente e analista tendem, fora do setting, a proteger a transferência que acontece mais em um ambiente específico.

 

Até breve!

Flávio Mendes,
Psicólogo Psicanalista em Vitória/ES.

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comentários

Join the discussion 2 Comentários

  • Raphany Siqueira disse:

    O evento foi uma excelente oportunidade de colocarmos nossas questões relativas ao tema para circularem. Agradeço aos colegas debatedores interessados e ao Flávio, pela disponibilidade e pelo enriquecimento da discussão. Até a próxima!

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